segunda-feira, 19 de abril de 2010

Plebiscito de proveta

A opção plebiscitária que Lula fez para sua sucessão é a causa mortis da candidatura presidencial de Ciro Gomes.

Lula não quer uma disputa plural, nem mesmo a quer simplesmente polarizada entre os candidatos mais fortes - Dilma Roussef, do PT, e José Serra, do PSDB.

Quer uma disputa singular entre não-candidatos: ele e Fernando Henrique Cardoso.

Ciro foi excluído porque desmancha essa equação. É um neolulista, ex-tucano, que pode tirar votos dos dois lados. As pesquisas mostram que tira mais votos de Serra do que de Dilma, o que deveria ser festejado pelos governistas. Mas não é.

E a razão é simples: Ciro pode ultrapassar Dilma e estabelecer uma polarização com Serra, o que deixaria o PT fora do comando da campanha – e do futuro governo, na eventualidade de vitória.

O PT compartilha cargos, mas não o poder. Não admite ser caudatário de ninguém, nem mesmo de um aliado de confiança, como Ciro. Há, no partido, o receio de que a estreante Dilma Roussef não suporte (e os lances iniciais da campanha agravam esse temor) o confronto direto com alguém experiente como Serra.

Ciro, se candidato, poderia ser beneficiário da fragilidade de Dilma, derrotando-a antes que Serra o faça. Do ponto de vista pessoal de Lula, não seria problemático, pois sabe que Ciro lhe é fiel.
Mas, na óptica do PT, a hipótese é intolerável. Daí a obsessão plebiscitária, um artifício para evitar um duelo desfavorável entre uma candidata sem vôo próprio, Dilma, e um candidato experiente, Serra, em quem até aqui não colou o rótulo de anti-Lula.

O artifício petista consiste em fabricar uma “Era Lula” em contraste com uma “Era FHC”. A idéia seria engenhosa não fosse um detalhe:

"A ERA LULA, É, ELA MESMA, UMA CONTINUIDADE DA ERA FHC".

Estabilidade econômica, desenvolvimento, programas sociais, tudo o que o atual governo exibe como credenciais ao eleitor – e a que se opôs quando na oposição - foi plantado e começou a ser colhido na administração anterior.

Se os números indicam expansão, é porque os fundamentos foram preservados. Há dias, perguntaram a Serra se ele, eleito presidente, mexeria no tripé macroeconômico responsável pela estabilidade econômica do governo Lula: metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. E ele respondeu: “Como, se fomos nós que o fizemos?” A mesma lógica se estende ao programa de bolsas.

O grande mérito de Lula consistiu em enfrentar seu partido para não mexer no software herdado da Era FHC. Para manejá-lo, escolheu não um petista, mas um técnico tucano, o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que, depois de consultar FHC, patrono de sua candidatura, abdicou de um mandato zero quilômetro de deputado federal pelo PSDB, em 2002, para integrar-se ao governo recém-eleito. Desde então, é uma de suas peças-chaves.

Há dias em editorial, o Wall Street Journal, uma das mais influentes publicações econômicas do mundo, destacou como grande feito econômico de Lula “não ter feito nada”, ter dado continuidade ao que encontrou. Há mérito nisso? Há, claro.

Há dias, o jornal Valor fez pesquisa com 142 empresários, dos mais representativos.
A maioria expressiva (78%) prefere Serra. Dilma obteve apenas 9%. O raciocínio é óbvio: se a economia vai bem e a maioria opta por um nome não governista para assumi-la, é porque o vê não só como mais qualificado, mas fiel a seus fundamentos.

E esse é apenas um dos múltiplos sinais antiplebiscitários. Plebiscito supõe opção entre antagonismos. E o que a presente eleição coloca é uma escolha bem distinta: quem é o mais qualificado para dar continuidade a um projeto de sustentabilidade econômica eficaz, iniciado com o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Lula teme a resposta e insiste em buscar refúgio num duelo artificial com Fernando Henrique. Falta combinar com o eleitor, que parece mais interessado no futuro que no passado – sobretudo um passado de proveta, em busca de um antagonista, que não há.



Ruy Fabiano é jornalista

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