Dr. Frei Antônio Moser
Teólogo
As famosas águas de março, no caso do Rio de Janeiro, acabaram caindo em abril, e com uma violência inusitada. No momento em que são escritas estas considerações ninguém sabe ao certo quantos foram os mortos no Rio e Niterói. Presume-se que tenham passado dos 200. Em meio às interrogações sobre os números e sobre a possibilidade ou não de novas tragédias, algumas coisas vão ficando claras.
Assim, todos sabem que as cidades do Rio e de Niterói apresentam uma geografia que favorece deslizamentos. Mas também todos sabem que tanto numa quanto na outra cidade cresce o número de favelas e de favelados. Como observavam alguns órgãos de imprensa, tanto numa como na outra se pode falar em “duas cidades”: a dos morros e a da beira mar. São duas realidades não apenas diferentes mas opostas. É a oposição entre pobreza e riqueza levadas ao extremo.
As recentes tragédias no Rio deixaram ainda claro que sob nenhum ponto de vista o Rio seja uma cidade segura. Até pelo contrário: ao lado das conhecidas violências humanas, a insegurança vem reforçada pela violência das forças da natureza. Não há como negar que o índice pluviométrico ultrapassou todas as previsões. E nestas ocasiões sempre há lugar para alguma tragédia.
No entanto, por mais que os governantes tenham insistido sobre a imprevisibilidade da natureza, o número de deslizamentos e de mortos, bem como os locais onde ocorreram, não deixam margem para muita dúvida. Ao lado da imprevisibilidade da natureza se faz notar uma histórica imprevidência. Imprevidência no sentido da reconhecida falta de uma política habitacional, que não afeta apenas as duas cidades, mas o Brasil inteiro. Todas as cidades ou já estão saturadas ou vão ficando saturadas rapidamente.
A falta de uma política habitacional, por sua vez, nada mais é do que uma das faces da falta de uma política agrária, de uma política urbana, simplesmente de vontade política para resolver problemas estruturais e centenários, que apenas foram e estão se agravando cada dia mais. Os paliativos podem enganar muita gente, mas não enganam a natureza.
Ao lado disso, à primeira vista sem conexão, existe o que se denomina de corrupção endêmica. Isto significa desvio de verbas que deveriam ter sido encaminhadas justamente para prevenir tragédias deste porte. A imprensa dos últimos dias faz acusações tanto genéricas quanto pontuais, dando números e destinos diferentes daqueles para os quais deveriam ir.
Mas o pior de tudo é que essa corrupção endêmica acaba de sofrer mais um grande impulso com o adiamento da votação do Projeto de Ação Popular contra a Corrupção. Os fichas suja não deixam muitas dúvidas de que uma vez mais conseguiram não apenas adiar, mas reforçar esquemas já bem conhecidos e segundo os quais ninguém quer votar projetos que possam ferir seus interesses pessoais ou partidários.
Diante da imprevisibilidade das forças da natureza e da imprevidência humana, uma vez mais fica evidenciado que a primeira é pontual e ocasional, enquanto a outra parece ser estrutural e cuidadosamente planejada. Passadas as eleições tudo tende a voltar ao que era: promessas que dificilmente se tornam realidade. A não ser que surja uma nova consciência política, não se precisa nem de previsões metereológicas para prever que novas tragédias irão acontecer.
Fonte: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=276075
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