Editorial de "O Globo"
Pesquisa eleitoral e ‘opinião pública’
Mesmo que a candidata Dilma Rousseff ganhe a eleição no primeiro turno, como confirmado pela pesquisa Ibope/CNI divulgada na manhã de ontem, a sinalização dada por sondagens anteriores de que a fatura poderá não ser liquidada no domingo merece uma reflexão sobre a democracia brasileira.
E ela deve ser feita à luz dos recentes arroubos do presidente Lula, cabo eleitoral-chefe da candidata, em relação à imprensa profissional e ao que ele entende sobre “opinião pública”.
Parece claro que, mais uma vez, como em 2006, quando os aloprados petistas assustaram eleitores, a questão moral surge como fantasma para o candidato oficial.
Em 2006, era Lula em busca da reeleição. Agora, Dilma é atingida, em alguma medida, por estilhaços da implosão de sua ex-braço direito Erenice Guerra junto com uma casamata de lobby edificada na Casa Civil.
Se a comprovada invasão criminosa de arquivos fiscais de tucanos e cidadãos comuns na Receita, área da máquina pública em que se abrigam aparelhos sindicalistas ligados ao PT, parece não ter sido compreendida pela população, o uso da Casa Civil para a venda de facilidades a empresários teve, pelo menos num primeiro momento, algum impacto no eleitorado.
Mesmo que o prejuízo para a candidata Dilma seja absorvido até domingo, fica a conclusão que mesmo o presidente mais popular da História republicana do Brasil não pode tudo, felizmente.
É preocupante que na esteira da campanha eleitoral, em que Lula se joga por inteiro, sem maiores cuidados com limites institucionais e leis, surja a ideia inaceitável de que o apoio popular dá sinal verde ao poderoso de turno.
De visível contaminação chavista, esta percepção do poder do homem público de alta popularidade é perigoso e crasso equívoco.
Sem respeito à Carta e instituições, resvala-se para a barbárie, o regime da lei do mais forte nas ruas.
Se assim fosse, teríamos de nos curvar a Hitler e Mussolini apenas porque chegaram ao poder nos braços do povo.
Há no Brasil de hoje, além de instituições que dão mostras de solidez — Poder Judiciário, Ministério Público, por exemplo —, uma classe média em fase de expansão que serve de suporte para estas mesmas instituições.
Arroubos como o do presidente ao se declarar dono da “opinião pública” rendem dividendos negativos.
A opinião pública não tem donos, ela se forma à medida que se informa, e das mais diversas maneiras, inclusive pela imprensa profissional, cujo coração é a credibilidade construída, em alguns casos, em mais de um século de atuação.
É por isso que o discurso ameaçador da estabilidade, capaz de projetar nuvens negras no futuro, é logo rejeitado pelas faixas mais instruídas e de renda mais elevada da população.
Alvejar a imprensa independente, defender o “radicalismo” da época de resistência à ditadura não é discurso de fácil trânsito junto às classes médias.
Elas sabem que Dilma não é “a mulher de Lula”, querem tranquilidade e crescimento econômico para continuar a ascender na escala social.
Portanto, não importa se vença Dilma, Serra ou Marina, a sociedade está madura para rejeitar salvadores da pátria, hipnotizadores de rebanhos sem opinião própria.
O clima de bem-estar econômico se revela cabo eleitoral poderoso.
Mas daí a se projetar um Brasil dominado pelo cesarismo, vai grande distância.
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