terça-feira, 2 de novembro de 2010

Os heroicos 3%

Folha.UOL
Passei meus últimos dias com a cabeça mergulhada no Brasil.
Li muito.
Escutei bastante.
Perguntei idem.

Mas de tudo que li, escutei ou aprendi, nada me perturbou tanto como saber que Lula deixa o Palácio do Planalto com 82% de aprovação popular.

Minto: o que me impressiona não são os 82%; o que me impressiona são os 3% de brasileiros que desaprovam o governo Lula e que não embarcam no entusiasmo geral.
Como são solitários esses 3%!
E como são heroicos!
É preciso coragem, e uma dose invulgar de realismo e sensatez, para não ser atropelado pela multidão desgovernada.
Quem serão esses 3%?
Gostaria de os conhecer, de os convidar para minha casa, de beber com eles à liberdade e à democracia.
Vou repetir, quase com lágrimas nos olhos: 3%!

Se o Banco Mundial acredita que o Brasil será a 5ª economia do mundo no espaço de uma geração (obrigado, "The Economist"), Lula teve um papel nesse caminho.
Mesmo que o caminho tenha sido preparado por Fernando Henrique Cardoso.

Mas quando penso nos solitários 3% que desaprovam Lula; quando penso nessa gente residual, marginal, divinal, penso em todos os casos de corrupção que abalaram os governos petistas e que seriam intoleráveis em qualquer país civilizado do mundo.
Penso nos ataques e nos insultos que Lula desferiu contra a imprensa mais crítica.
Penso na forma como Lula usou o seu cargo para, violando todas as leis eleitorais (e do mero decoro democrático), eleger Dilma Rousseff.
E penso, claro, na política externa de Lula.

Sou um realista.
Países democráticos não lidam apenas com democracias; por vezes, nossos interesses estratégicos ou econômicos exigem que sujemos as mãos com autocracias, teocracias, ditaduras e aberrações políticas.
Mas devemos fazer isso com decoro; envergonhados; como um cavalheiro que frequenta o bordel e não faz publicidade de seus atos.

Os 3% que desaprovam Lula, aposto, desaprovam a forma indigna como ele elegeu Ahmadinejad seu amigo; como manteve relações amistosas com Chávez; como foi displicente perante os presos políticos cubanos.

Acompanhei as eleições brasileiras.
Comentei-as.
Escrevi a respeito.
Mas, nessa hora em que Lula sai para Dilma entrar, os meus únicos pensamentos estão com os 3% que não perderam a cabeça e mantiveram-se à tona da sanidade.

Nessa noite fria de Lisboa, um brinde a eles!

Nenhum comentário:

Postar um comentário