Em entrevista à Veja (leiam na íntegra), FHC lembra que só fala quando a democracia está em perigo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 79 anos, é um homem realizado.
Na Presidência, derrotou a inflação, por meio do Plano Real, lançado quando era ministro da Fazenda de Itamar Franco, e promoveu privatizações bem-sucedidas, que desoneraram os contribuintes, possibilitaram o surgimento de empresas fortes e globais, como a Vale, e universalizaram o sistema de telefonia.
Na sede do instituto que leva seu nome, ele deu a seguinte entrevista a VEJA.
O que o senhor sentiu no exato instante em que deixou de ser presidente da República, ao passar a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003?
Fiquei emocionado, é claro, até porque o Lula disse que eu deixava lá, no Palácio do Planalto, um amigo – o que, naquele momento, talvez fosse verdadeiro.
Por que?
Porque, durante os meus mandatos, com o consenso da sociedade, havíamos conseguido mudar o Brasil para melhor.
Eu entregava a Lula um país que, a despeito de todas as crises econômicas mundiais que marcaram aqueles anos, estava mais sólido do ponto de vista da economia.
Com o Plano Real, iniciado no governo de Itamar Franco, e a autonomia do Banco Central, vencemos a inflação.
Com a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, detivemos um dos sangradouros de dinheiro público.
Com as privatizações, alcançamos a universalização do sistema de telefonia.
Além disso, havíamos superado os traumas políticos causados pelo regime militar, as arestas da redemocratização e o impeachment de Fernando Collor de Mello.
Tudo isso me veio à cabeça no momento em que passei a Presidência a Lula.
Nos últimos oito anos, contudo, o senhor fez críticas contundentes contra políticas do atual presidente. O senhor não foi partidário?
Eu fico espantado como os petistas consideram a minha simples existência uma pedra no sapato ou, mais poeticamente, no caminho…
Quando fiz e faço críticas, é porque tenho a obrigação pública de me manifestar quando observo que certas decisões do governo federal comportam ameaças a democracia, inclusive porque não deixei de ser um homem político.
A confusão entre o que é obrigação pública e comentário partidário advém também do fato de os ex-presidentes vivos brasileiros, a minha exceção, continuarem na vida partidária.
Todos são senadores.
Aos olhos de muitos brasileiros, o senhor e o presidente Lula parecem nutrir uma rivalidade que ultrapassa o campo pôntico e adentra o das personalidades.
Da minha parte, garanto que não.
Da do Lula, parece que existe tal rivalidade.
Não sei porque ele insiste tanto em comparar-se a mim.
Nesta última campanha, por exemplo, falaram o diabo do meu governo, embora eu não fosse candidato.
E eu não tenho direito de defesa, veja só!
O Lula não precisava de nada disso.
Para mostrar o que fez, ele não tem necessidade de desfazer as conquistas do outro.
Até porque ele deu continuidade a políticas do meu governo e acrescentou aspectos positivos a elas.
O Lula, por exemplo, manejou bem o timão durante a última crise econômica, mas não foi ele quem estabilizou o país.
Ele também não criou os programas sociais, mas os expandiu.
Fez a sua parte?
Fez.
Então, por que tentar cancelar o passado e dizer que o Brasil nasceu no seu governo?
O Lula não necessita disso como político.
O que me leva a pensar que, de fato, ele tem um problema de ordem psicológica em relação a mim.
Quando o Lula solta a frase “nunca antes neste país”, eu até brinco que ele poderia dizer que “nunca antes neste país viveram tantos brasileiros.
O senhor, recentemente, propôs ao presidente Lula que, quando ele “vestisse o pijama”, fosse debater com o senhor na televisão.
Os dois, assim, estariam em condição de igualdade, como ex-presidentes, já que ele não poderia contar com a máquina oficial de propaganda.
Foi uma blague ou é para valer?
A Rede Bandeirantes entrou em contato comigo, para realizar esse programa, e eu topei.
Não seria propriamente um debate, um duelo, mas uma conversa franca, que a meu ver teria até uma função educativa para os cidadãos e os políticos.
Quando deixei o governo, achei que o Lula e o PT entenderiam finalmente que era possível estabelecer convergências com o PSDB, no intuito de implementar reformas do interesse do país.
Mas, de uma forma eleitoreira, eles definiram desde o início que os tucanos e eu, principalmente seriam os seus inimigos.
Esse caminho equivocado, de confrontação permanente, deu no mensalão.
Eles recorreram aos fisiológicos do Congresso, em vez de estabelecer uma ponte com a oposição responsável.
O pior é que não era necessário.
Quem sabe agora, na condição de ex-presidente, o Lula se disponha a manter alguma forma de diálogo.
Poderia resultar numa agenda civilizada para o Brasil.
Mas tenho dúvida, dado o grau de acirramento das animosidades, se isso será possível.
O senhor, tão demonizado pelo PT, sente-se injustiçado?
Injustiçado, não, porque sou bem tratado.
Mas a minha figura acabou distorcida na imprensa, em certos meios intelectuais e, é triste dizer, contaminou até mesmo setores do partido que fundei.
De vez em quando, os absurdos que os inimigos dizem a meu respeito são tamanhos que me sinto obrigado a me defender.
Mas, em geral, como estou fora da rinha, lido bem com essa distorção e deixo para lá.
Penso é no julgamento da história.
Qual seria a frase com a qual o senhor gostaria de passar á história?
Fernando Henrique Cardoso foi um democrata que teve a coragem de fazer o que deveria ser feito.
Trata-se de uma frase, enfim, que deveria definir todos os ex-presidentes brasileiros daqui por diante.
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Eu me lembro com muita saudade de como foi o governo do professor Fernando Henrique Cardoso. Por isso, embora algumas ressalvas ao fato de ficar apoiando e dando chazinho pro Lula, eu acho que o Brasil precisaria ter pelo menos meia dúzia de FHCs para colocar este País de uma vez por todas no caminho da paz e da prosperidade, com o trabalho honesto de todos os cidadãos.
ResponderExcluirNo entanto, a realidade é que para cada FHC há pelo menos uns 50 Lulas pra talhar o leite...
Zé do Coco
Seja bem vindo amigo Zé do Coco.
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