Por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
Na ânsia de encontrar provas do racismo em Monteiro Lobato e varrer das prateleiras de nossas crianças esse escritor perigosíssimo que fez gerações e gerações aprenderem a gostar de ler e pensar, os que não têm mais nada a fazer no MEC se esqueceram do segundo capítulo de Caçadas de Pedrinho: "Um Rinoceronte Interna-se Nas Matas Brasileiras”.
É fácil de explicar.
Muito mais contundente que o conjecturado racismo em Caçadas de Pedrinho, o que Monteiro Lobato ensina aos meninos, em uma crítica inteligente, irônica, precisa, é o quanto a burocracia cega é prejudicial à eficiência dos governos em geral.
E acharam melhor não chamar a atenção sobre esse detalhe...
Como disse a Emília ao funcionário do “Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte”:
"- Mas por que não discutiu isso durante a semana em que o rinoceronte andou sumido e a passagem pela porteira esteve completamente franca?
Acho que Vossa Rinocerôncia perdeu um tempo precioso",
digo eu agora ao MEC: por que não se discutiu a fundo o significado e as intenções do Enem antes de aplicá-lo assim, a trouxe-mouxe, a milhões de jovens brasileiros, de norte a sul do país?
“A imposição obrigatória de um mesmo e único exame a todos os concluintes do Ensino Médio induz toda a Educação Básica do país a uma perspectiva cada vez mais padronizadora, inibindo inovações.
A médio prazo, a tendência é uniformizante e empobrecedora para o sistema de ensino.
Essa investida centralizadora expõe o mesmo espírito de tutela que propõe mecanismos de ‘controle social da imprensa’.
Ao mesmo tempo em que se restringe a liberdade de expressão, cerceia-se também a liberdade de ensino no país.
É nessa perspectiva que deve se dar a discussão em torno do Enem.
Afinal, quanto mais variado for o cenário na Educação Básica, mais ricas as possibilidades para todas as crianças, e mais bem atendida estará a sociedade.”
Alguém sabe explicar qual a vantagem real desse exame único?
Feito em dois dias?
Para milhões de alunos?
E alguém pode me explicar o que o ministro Haddad quis dizer ao comparar o Enem às eleições, ao dizer que da mesma forma que algumas poucas urnas dão problema, é natural que algumas provas apresentem erros na impressão?
Além desse verdadeiro enigma, há outro: será que nenhum desses burocratas é pai de jovens vestibulandos?
Sei lá se ainda são assim chamados, enensandos é que não há de ser...
Mas parem e pensem na angústia, na insegurança, no medo de virem a sofrer uma injustiça, na falta de confiança na autoridade, na marca que isso vai deixar, em todo o mal que isso pode fazer aos nossos jovens.
Fora o terror continuado, certamente um moderno teste psicológico:
Ora a prova vai ser cancelada, ora não vai.
Ora só alguns vão poder fazer novas provas, ora todos farão; ora o presidente da República diz que o Enem foi um sucesso, ora diz que teremos um, dois, três Enem caso seja necessário; ora o MEC diz que não faz novo exame; ora o MEC diz que faz para quem reclamou na sala, na hora da prova; ora um juiz federal concede liminar; ora o presidente do TRF suspende a liminar!
Será que essa barafunda é porque esses senhores não tiveram a sorte de serem avaliados por um bom Enem?
Ou será que Suas Rinocerôncias estão perdendo um tempo precioso com essas tentativas e erros, em vez de se dedicar a implementar educação básica de qualidade em todo o Brasil, com bons e respeitados professores, que se dediquem a fornecer às novas gerações subsídios necessários para pensar e se expressar livremente?
Não posso deixar de agradecer ao excelente livro Monteiro Lobato: Livro a Livro.
Recomendo vivamente a todos os professores esse belo trabalho editado pela Unesp onde cada capítulo é dedicado a uma das “nossas” apaixonantes histórias.
Aprende-se muito com ele e estamos cada dia mais necessitados de aprender mais e mais.
Só assim sairemos do atoleiro.
Por minha conta e risco já criei vocabulário novo: batizei o Enem de Quindim.
E o MEC de Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte.
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