Por Carlos Chagas
Algum dia será dada ao cidadão comum a oportunidade não só de denunciar aquilo que o incomoda, mas de ver iniciativas tomadas para defendê-lo.
Como talvez demore cem anos ou mais, vale alinhar, a esmo, parte das coisas que nos infernizam, mas das quais não conseguimos livrar-nos.
Quem não se irrita, em especial aos sábados e domingos, quando vamos à banca da esquina comprar um desses jornalões e verificamos que, em cima da primeira página, estão páginas falsas, só de publicidade, obrigando-nos a separá-las e a jogá-las no lixo, na maior parte das vezes sem ler o que estão promovendo?
O cidadão chega em casa depois de um duro dia de trabalho, começa a buscar nos canais a cabo algo que o interesse, à margem da baixaria dos canais abertos, mas é obrigado a assistir incontáveis minutos de publicidade barata, mesmo depois que os contratos apregoam programação sem anúncios?
Na mesma linha, incomoda sobremaneira a propaganda de serviços e de produtos mentirosos, como o implante dentário a ser feito em três dias, o carro miraculoso que foge dos bichos ou a promessa de devolução do dinheiro se aparecer produto mais barato num concorrente.
Quem se acomoda ao verificar que num desses engarrafamentos de dezenas de quilômetros não aparece um mísero guarda de transito para ordenar o fluxo de veículos?
O que dizer da avalancha de notícias referentes ao crescimento espetacular da economia, do emprego e da queda da inflação, mas, quando vai ao supermercado ou à feira, o cidadão verifica que subiu o preço de tudo?
Assistir à sessões do Congresso dá náusea quando deputados e senadores dizem o diabo contra as medidas provisórias, mas, logo depois, aprovam todas, sem ao menos conhecer seu conteúdo.
Quando chega a hora de cumprir suas finalidades, a maior das quais é telefonar, falham telefones celulares anunciados aos montes como capazes de calcular a raiz quadrada da Terra a Marte, tirar fotografias e captar canais de televisão, além de despachar torpedos para as amigas.
Sem falar no número cada vez maior de telefonemas que recebemos de chatos de galocha, oferecendo todo o tipo de produtos e serviços.
Incomoda como o diabo ouvir patriotadas de locutores e comentaristas de rádio e televisão que, às vésperas das competições, apregoam a iminente conquista de mais medalhas e, pior ainda, depois das derrotas, justificam os derrotados como se tivessem todos sido imolados aos pés de Tiradentes, ou garfados pelos diabólicos e solertes inimigos do Brasil.
Mas tem mais.
Muito mais.
Basta que cada um se indague porque sobe sua pressão sanguínea diante de cada desilusão ou indignação sofrida, mesmo apenas em horas supostas de lazer e descanso.
Mais do que todas, a sociedade brasileira é ludibriada a cada passo dado.
Será a culpa das elites, dos malandros, dos políticos ou dos banqueiros?
Nem pensar.
A responsabilidade é nossa, acima de tudo.
Quem manda acreditar em tudo o que se ouve, se vê ou se lê?
Alguém nos defenderá?
De jeito nenhum.
No dia em que nos compenetramos de que depende exclusivamente de nós livrarmo-nos de tanta enganação, quem sabe a vida comece a mudar?
Como foi escrito acima, pode ser que dentro de cem, talvez duzentos anos...
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