A AGONIA DO NEOLIBERALISMO
(Reflexão sobre a década do consumo irresponsável, que faz a alegria das massas de endividados, como nunca antes na história do país - esta citação é por minha conta)
Por Carlos Chagas
Vale, por um dia, começar além da política nacional, arriscando um mergulho lá fora.
O que continua a acontecer na França, onde montes de carros, escolas, hospitais e residências comuns estão sendo queimados e saqueados?
Qual a razão de multidões de jovens irem para as ruas, enfrentando a polícia e depredando tudo o que encontram pela frente?
Tornando quase impossível a vida do cidadão comum, não apenas em Paris, mas em muitas cidades francesas, onde instaurou-se o caos.
Por que?
É preciso notar que o protesto vem das massas, começando pelas massas excluídas.
Não dá mais para dizer que essa monumental revolta é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado.
A causa do que vai ocorrendo repousa precisamente no extremo oposto: trata-se do resultado do neoliberalismo.
Da consequência de um pérfido modelo econômico e político que privilegia as elites e os ricos, países e pessoas, relegando os demais ao desespero e à barbárie.
Fica evidente não se poder concordar com a violência.
Jamais justificá-la.
Mas explicá-la, é possível.
Como refrear a multidão de jovens sem esperança, também de homens feitos e até de idosos, relegados à situação de trogloditas em pleno século XXI?
Não vai dar, à medida em que a miséria se multiplica e a riqueza se acumula.
Explodirá tudo.
Fica difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil.
Hoje, 40 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse obsceno salário mínimo que querem elevar para 540 reais.
Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários.
Isso para quem consegue mantê-los, porque, apesar da propaganda oficial, o desemprego continua presente.
São 15 milhões de desempregados em todo o país, ou seja, gente que já trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha, jovens que todos os anos gostariam de entrar no mercado sem nunca ter trabalhado.
Alguns ingênuos imaginam que o bolsa-família e sucedâneos resolveram a questão, mas o assistencialismo só faz aumentar as diferenças de classe.
É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico.
São exemplos da exceção, jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões continuam na miséria.
Seria bom o governo Dilma olhar para a França.
Ainda agora assistimos a tragédia na serra fluminense, com os ricos e os remediados fugindo, mas com a população pobre, majoritária, submetida à morte e à revolta.
A globalização tem, pelo menos, esse mérito: informa em tempo real ao mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião.
Os que nada tem a perder já eram maioria, só que agora estão adquirindo consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de "basta", "chega", "não dá mais para continuar".
Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução.
O passado não está aí para que o neguemos, senão para que o integremos.
O passado é o nosso maior tesouro, na medida em que não nos dirá o que fazer, mas precisamente o contrário.
O passado nos dirá sempre o que evitar.
Evitar, por exemplo, salvadores da pátria que de tempos em tempos aparecem como detentores das verdades absolutas, donos de todas a soluções e proprietários de todas as promessas.
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