Ilan Goldfajn - O Estado de S.Paulo
O Discurso do Rei ganhou quatro estatuetas do Oscar, merecidas.
O Rei George VI precisava discursar para preparar o Reino Unido para a 2.ª Guerra Mundial.
Mas era gago, o que dificultava a tarefa.
O filme soube transmitir magistralmente o drama do rei que não conseguia se comunicar.
Em tempos difíceis é preciso se comunicar, não há escolha.
Que o diga o governo brasileiro, que enfrenta um legado difícil - inflação crescente e vastas contas a pagar - e precisa desacelerar a economia para evitar o pior.
O governo vai conseguir?
Quanto esforço ele está fazendo de fato?
Após dois anos de excessos, os analistas têm dúvidas.
Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça.
A inflação alcançou quase 6% no ano passado e caminha para ultrapassar o teto da meta 6,5% em algum momento deste ano.
A subida vertiginosa dos preços de commodities no mundo atingiu a inflação no Brasil, que já vinha pressionada por um descompasso entre oferta e demanda mantido desnecessariamente por um período prolongado.
O resultado é uma inflação que já está corroendo a renda dos trabalhadores.
Como sabe bem o brasileiro, a inflação é um imposto regressivo, atinge de forma desproporcional os mais pobres.
Em economia não há almoço grátis.
Há a inércia da inflação do ano passado, que se transmite via reajustes indexados formal ou informalmente ao passado, e uma economia que vai demorar a desaquecer, pelo menos no setor de serviços, e vai continuar pressionando os custos e preços por algum tempo.
A essa conjuntura doméstica se soma o aumento de preço de commodities, que ainda não se refletiu inteiramente nos preços ao consumidor (IPCA).
Confiram as medidas AQUI.
Apesar das medidas acima, permanecem dúvidas e sinais ambíguos.
Há a desconfiança herdada do passado recente de descumprimentos fiscais e manobras contábeis, reforçada pelo crescimento considerável dos gastos no mês de janeiro deste ano.
Além disso, o anúncio de capitalizações recentes de bancos oficiais chama à memória o expansionismo recente e pode pôr em xeque todo o esforço de contenção.
O governo precisa uniformizar sua atuação e seu discurso.
Não há espaço para medidas expansionistas compensando medidas restritivas.
É necessário que todas as medidas apontem para a mesma direção, a fim de conseguir debelar o sério problema inflacionário e permitir a volta de um crescimento sustentado.
O governo tem de estar alinhado para comunicar claramente a direção.
Não há espaço para cacofonia nem discursos conciliatórios com o expansionismo próprio de outrora.
Tem de ser único o discurso da presidente.
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