Vítimas de terremoto e tsunami no Japão dão lição de paciência e educação mesmo em situação-limite
Claudia Sarmento - O Globo
SENDAI, Japão
Num abrigo improvisado tomado por famílias japonesas com crianças pequenas, todos vivendo o que consideram ser os momentos mais difíceis de suas vidas, a mãe de duas meninas faz uma reverência para a jornalista estrangeira que a aborda e responde gentilmente: "Sim, posso dar entrevista. Muito prazer em conhecê-la".
A moça conta sua história - seu prédio está ameaçado de desabamento, e ela não pode voltar - com um semblante cansado, mas de um jeito contido.
Está sem perspectivas, mas não pede ajuda de quem ainda tem água, comida e combustível - três itens que valem ouro no nordeste do Japão - nem diz palavras que possam soar como um protesto contra as autoridades ou um lamento contra seu destino.
Os japoneses estão sofrendo muito, a situação é dramática em algumas áreas, mas é impressionante a maneira ordeira como se comportam no pior dos momentos.
Em dois dias, o GLOBO percorreu 1.200 quilômetros de carro pelo interior do país, saindo de Tóquio em direção a Sendai.
Filas em postos de gasolina, supermercados e lojas de conveniência são agora a principal paisagem da província de Miyagi, que contabiliza o maior número de mortos.
Mas são exatamente isso: filas, e não tumultos.
É uma sociedade acostumada a seguir regras, mesmo quando o que mais temem - imprevistos - acontece.
Há engarrafamentos em alguns pontos das estradas, mas tentar escapar pelo acostamento, por exemplo, é uma cena impensável.
Gente que já não tem para onde voltar espera nos abrigos improvisados as próximas ordens - em silêncio.
Alguns compartilham suas experiências, mas nada tem a marca do exagero.
Falam baixo e pausadamente, sem atropelos.
É uma das muitas regras do rígido e organizado país que, não se pode esquecer, é um arquipélago: o coletivo é mais importante do que o individual, e não se destacar - ser igual - é uma virtude.
É uma filosofia que custa caro para quem quer exatamente o oposto - ser diferente - mas em momentos como este, de tragédia nacional, o resultado é exemplar.
Depois de conversar com a mãe das meninas, uma faxineira que ajudara a salvar os vizinhos de seu apartamento, arrombando uma porta de emergência que travara após o terremoto, a equipe de reportagem do GLOBO deixa o abrigo e tenta avançar em direção ao litoral.
No meio do caminho, um problema é constatado: a carteira com cartões de crédito e mais de US$ 700 ficara para trás, num momento de desatenção.
Os japoneses gostam de receber o cartão de visita das pessoas com quem falam e, na pressa para vasculhar a bolsa em busca dessa identificação, provavelmente a carteira caíra.
A primeira reação de uma brasileira é dizer que nem adiantava voltar, era melhor cancelar os cartões e dar o dinheiro como perdido.
O japonês que dirigia o carro do GLOBO, o fotógrafo Suzuki Kantaro, se espantou e avisou:
- Vamos voltar e a carteira estará lá.
Não existe outra possibilidade.
Voltamos.
E a carteira estava lá.
Havia sido achada e entregue, intacta, para os funcionários da escola transformada em abrigo, um lugar onde as pessoas já não têm quase nada, mas davam mais uma tremenda lição de dignidade e correção.
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