Miriam Leitão, O Globo
A conversa entre o Bradesco e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, com o pedido para retirar o presidente da Vale é um dos mais indecorosos sinais de retrocesso da economia brasileira.
O banco certamente vai ceder, porque o Bradesco não é lá de querer briga com governo.
O espantoso é o sinal dado de estatização e a interferência do ministro da Fazenda.
Roger Agnelli é um executivo com defeitos e qualidades, que está há muito tempo no cargo, e se os acionistas quiserem podem e devem tirá-lo; nenhum problema.
O que assusta é a forma, o motivo e os objetivos da ação de degola.
O jeito certo de fazer isso é na reunião do conselho da Valepar, que é o grupo controlador da Vale.
Lá, o governo como um dos acionistas, através do BNDES, pode propor a alteração, e os fundos de pensão, também.
Uma conversa do ministro da Fazenda pedindo a cabeça do principal executivo de uma empresa privada é absurdo.
A Vale tem estatuto, tem reuniões programadas dos seus acionistas, e seus executivos têm mandato e planos a cumprir.
Mesmo com os votos do banco estatal e dos fundos de pensão não se consegue a proporção de dois terços necessária para interromper um mandato no meio e aprovar outra diretoria.
O Bradesco tem percentual suficiente para bloquear a ação.
Por isso é que houve a conversa entre Mantega e Lázaro Brandão, do Bradesco.
Mas ela é inconveniente.
Ministro da Fazenda não tem essa função; o local é inadequado porque tem que ser discutido pela assembléia de acionistas; o motivo é indecoroso: o governo vem tentando capturar a Vale para a roda das nomeações políticas.
É uma reestatização, na prática.
Todo mundo acompanhou o passo a passo dessa intervenção governamental porque ela foi explícita; feita de críticas e reclamações públicas.
O pretexto foi que o ex-presidente Lula não gostou quando pediu que a Vale construísse siderúrgicas no Brasil.
A empresa não atendeu inicialmente às pressões.
Há razões empresariais.
Hoje, o Brasil tem capacidade ociosa em aço; em 2009, chegou a desligar seis altos-fornos.
Ao mesmo tempo, há mercado abundante no mundo para matérias-primas como o minério de ferro e outros minérios produzidos pela Vale.
Roger Agnelli já foi tratado com tapete vermelho no governo, depois passou a ser alvo das reclamações públicas do ex-presidente.
E começou o disse-me-disse.
Isso atrapalha a companhia.
Essa intervenção, se for consumada, vai mostrar que a empresa tem um gravíssimo problema de governança, já que voltará na prática a ser estatal.
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