Miguel Reale Júnior - O Estado de S.Paulo
O recente affaire Palocci apresenta um significativo paralelismo com o sucedido com Francenildo dos Santos Costa, caseiro da chamada "casa do lobby" em Brasília, alugada por ex-assessores da prefeitura de Ribeirão Preto para negócios e prazeres.
O então ministro da Fazenda, em 2006, negou que frequentasse a casa.
Convocado para depor na CPI dos Bingos, Francenildo desmascarou o ministro até ser calado por mandado de segurança, em decisão absurda do Supremo Tribunal Federal, na qual se considerou que, por suas "condições culturais", o caseiro não teria como contribuir para o esclarecimento dos fatos.
Não bastou o silêncio imposto pela Justiça que desqualificou o homem humilde, era necessário desmoralizá-lo.
Dois dias depois, o caseiro teve o sigilo bancário violado pela Caixa Econômica Federal, subordinada ao Ministério da Fazenda, como tentativa de desacreditar a sua palavra.
Com precipitação, festejou-se o encontro de depósitos de R$ 25 mil e concluiu-se, apressadamente, ter sido o caseiro comprado.
Para o governo, a violação praticada seria pecado venial, diante do pecado mortal da compra da declaração do caseiro por inimigos do ministro.
Os súcubos do ministro, após violarem o sigilo bancário, deram a órgão de imprensa a tarefa de espalhar a calúnia.
Para dar ares de legitimidade à acusação leviana o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mandou ofício à Polícia Federal, no dia seguinte à quebra do sigilo, aventando a possibilidade de ocorrência de lavagem de dinheiro.
O tiro saiu pela culatra.
O homem simples era honesto, recebera a importância de seu pai e fora submetido ao mais puro arbítrio do Estado, em grave uso abusivo do aparelho estatal.
Francenildo, em lição de moral agora esquecida pelo atual ministro da Casa Civil, disse depois, ao depor na Corregedoria do Senado:
"O lado mais fraco não é o do caseiro, é o da mentira.
Duro é falar mentira que você tem de ficar pensando.
A verdade é fácil".
(...)
Se não fosse a denúncia efetivada pela imprensa, nada do patrimônio real do ministro-chefe da Casa Civil seria sabido.
E dele apenas se ouviram pedidos de respeito à confidencialidade, que tanto desprezara com relação ao humilde caseiro Francelino.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal, de cuja elaboração participei como membro da Comissão de Ética, timbra ter por finalidade que a sociedade possa aferir a lisura do processo decisório governamental, motivo pelo qual busca evitar conflitos entre interesses públicos e privados.
Por isso estabelece o Código de Conduta que, além da declaração de bens, cabe ao administrador público dar informações sobre sua situação patrimonial que, real ou potencialmente, possa suscitar conflito com o interesse público.
Saber, portanto, quais foram os clientes dessa empresa de consultoria financeira administrada e pertencente, em 99,99% da cotas, a um médico sanitarista, em serviços pagos quando já previsto como forte ministro, é essencial para se poder ter a transparência visada pelo Código de Conduta.
Como dizia Francenildo, "duro é falar mentira que você tem de ficar pensando", e para não pensar os líderes do governo decretam infantilmente: "O episódio está encerrado".
Chega de cinismo: o episódio apenas começa e deve-se é desvendar a verdade para verificar se houve ou não novamente abuso e tráfico de influência, que podem contaminar a confiança no atual governo.
ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA
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