quarta-feira, 4 de maio de 2011

O gerente do mensalão roubou muitos milhões, mas é uma caixa-preta barata

Por Augusto Nunes

“Ele segurou tudo calado”, disse tudo em quatro palavras a senadora Marta Suplicy.

Os Altos Companheiros ainda caçavam explicações menos cafajestes para a volta de Delúbio Soares ao PT e se enredavam nos palavrórios costurados para justificar a invenção da expulsão temporária quando Marta, com a sinceridade de primeira-dama das estrebarias e a arrogância de granfina quatrocentona, foi direto ao ponto.
Já passara da hora de absolver e homenagear o companheiro que poderia, se quisesse, transformar-se na versão brasileira do mafioso italiano Tommaso Buscetta.
(...)
Se resolvesse abrir o bico, Delúbio Soares teria assunto para algumas semanas.

A primeira das duas partes do interrogatório seria reservada ao esclarecimento das maracutaias colecionadas pelo depoente no Fundo de Amparo ao Trabalhador, onde agiu entre 1994 e 2000.
Escolhido por Lula e José Dirceu para representar a CUT no FAT, foi ali que o companheiro recrutado no PT goiano aprendeu o ofício de gatuno.
Nos seis anos seguintes, o medíocre professor de matemática especializou-se em multiplicar milhões mal explicados, dividir o produto do roubo, somar bandalheiras e reduzir as dívidas do partido com quantias de embasbacar banqueiro suiço.

A segunda parte do depoimento mostraria o meliante em ação entre o começo de 2000 e julho de 2005, período em que acumulou as funções de tesoureiro do PT e gerente do mensalão.
Nesses cinco anos, entre uma reunião do partido, um animado reveillon na casa de praia de Marta Suplicy e uma visita ao Planalto para dois dedos de prosa com o amigo Lula, Delúbio fez coisas de que até Deus duvida ─ mas muitos petistas cinco estrelas testemunharam, endossaram, esconderam ou ajudaram a executar.

Em parceria com o vigarista Marcos Valério, “nosso Delúbio”, como Lula a ele se referia, mostrou do que é capaz um fora-da-lei vocacional.

Esvaziou cofres públicos e privados, extorquiu empresários, financiou dezenas de candidaturas com dinheiro sujo, negociou empréstimos bancários ilegais, estuprou a legislação eleitoral, subornou meio mundo, montou um balcão de compra de votos nas catacumbas do Congresso, lavou pilhas de dólares em contas no Exterior, burlou a Receita Federal, cometeu perjúrio e reduziu o templo das vestais de araque a um cabaré devotado à exploração do lenocínio político.

Pilhado em flagrante no centro do pântano colossal, Delúbio só usou a voz pastosa de quem almoçou arroz com Lexotan para informar, em exasperantes performances na CPI, que nada diria. Expulso do partido, retirou-se para o interior de Goiás e renovou o voto de silêncio.

Começou a preparar a volta quatro anos mais tarde, quando recordou aos companheiros, numa carta-aberta, que não agira por conta própria nem solitariamente.

“Não fui um alegre, um néscio, um ingênuo”, escreveu.
“Aceitei os riscos da luta.
Mas não fui senão, em todos os instantes, sem exceção, fiel cumpridor das tarefas que me destinou o PT”.


O recado foi claro: fez o que mandaram que fizesse, cumpriu ordens, atendeu a encomendas, e sempre com a ajuda de comparsas.
Houve, portanto, cúmplices e mandantes.

Mandantes e cúmplices acharam prudente reintegrá-lo à seita o quanto antes.
Se pudessem, esperariam o julgamento no Supremo Tribunal Federal do processo em que Delúbio, soterrado por um himalaia de provas, é acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha.
Preferiram antecipar um dos atos mais repulsivos do interminável espetáculo do cinismo para livrar-se de espasmos de ressentimento.
Além do mais, ele sempre pediu pouco para não cair em tentação.
Como tem o DNA do PT, queria apenas recuperar o direito de conviver publicamente com a turma.
Delúbio Soares faz questão de andar em má companhia.

O gerente do mensalão roubou muitos milhões.
Mas cobra um preço baixo pela mudez.
É uma caixa-preta barata.

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