quarta-feira, 28 de setembro de 2011
As mulheres que a primeira presidente prefere não escutar
Devemos ter medo de Dilma Dinamite?
ELIANE BRUM - Época
Antonia Melo é uma mulher forte, reta.
O Brasil não sabe, porque ela vive bem longe do poder central, mas todos nós temos uma dívida histórica com Antonia que há décadas luta pelos direitos humanos e pelo desenvolvimento sustentável em uma das regiões mais conflagradas da Amazônia.
Hoje, Antonia é uma das principais vozes contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte – a maior e mais controversa obra do PAC.
É neste ponto que a história de Antonia Melo cruza com a de Dilma Rousseff, que mesmo antes de ser presidente era chamada por Lula de “mãe do PAC”.
Em 2004, as lideranças da região do Xingu, na Amazônia, foram surpreendidas pela informação de que os boatos eram verdadeiros: apesar do compromisso assumido no programa do candidato Lula e contra todas as promessas de campanha, o projeto de Belo Monte estava na mesa de Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia.
O deputado federal Zé Geraldo (PT-PA) convidou então um grupo de lideranças para uma audiência com a ministra, em Brasília, onde poderiam expor suas preocupações.
Lula havia sido eleito com o apoio maciço do movimento social do Xingu e, neste momento, era fácil acreditar que seriam bem recebidos.
E, principalmente, escutados.
(...)Antonia viajou a Brasília para compor o grupo de lideranças que se encontraria com a ministra.
O que aconteceu ali eu escutei da sua boca, recentemente, quando estava na sua casa, em Altamira, para entrevistá-la.
Os olhos de Antonia se encheram de lágrimas e sua voz embargou.
Fiquei pensando no que poderia causar tanta dor àquela mulher que enfrentava grileiros de peito aberto, já havia sido ameaçada de morte e perdera vários companheiros assassinados por pistoleiros.
Só depois de ouvir o relato compreendi que, para alguém com a dignidade de Antonia Melo, o sentimento de ser traída poderia ser devastador.
Foi isso que ela me contou, enquanto um dos seus netos pequenos dormia no quarto.
- Quando chegamos à audiência, a Dilma demorou um pouco para aparecer.
Aí veio, com um cara do lado e outro do outro, como se fosse uma rainha cercada por seu séquito.
Nós estávamos ali porque, se era desejo do governo estudar esse projeto, queríamos ter certeza de que seria um estudo eficiente, já que sabíamos que todos os estudos feitos até então eram uma grande mentira, sem respeito pelos povos da floresta nem conhecimento do funcionamento da região.
Então, já que o governo queria estudar a viabilidade de Belo Monte, que o fizesse com a seriedade necessária.
A Dilma chegou e se sentou na cabeceira da mesa.
O Zé Geraldo nos apresentou e eu tomei a palavra.
Eu disse: "Olha, senhora ministra, se este estudo vai mesmo sair, queremos poder ter a confiança de que será feito com seriedade”.
Assim que eu terminei essa frase, a Dilma deu um murro na mesa.
Um murro, mesmo.
E disse: "Belo Monte vai sair".
Levantou-se e foi embora.
Quando Antonia Melo terminou seu relato, compreendi que sua emoção se devia à lembrança da humilhação sofrida e à descoberta do autoritarismo do governo que ela tinha apoiado.
Lembrei-me deste episódio ao ler a reportagem da revista americana Newsweek, da semana passada, que tem Dilma Rousseff na capa, fato amplamente comemorado como um triunfo feminino.
Na chamada de capa, o título é: “Dilma Dinamite: Onde as mulheres estão vencendo”.
Dentro, o perfil da presidente brasileira tem o seguinte título: “Não mexa com Dilma”.
Ao ver Dilma Rousseff discorrendo na ONU, em Nova York, sobre as vantagens da ascensão das mulheres ao poder, pensei imediatamente nas mulheres que a presidente não escuta no Brasil.
Entre elas, as mulheres do Xingu.
Sobre Dilma Rousseff, a editora-chefe da Newsweek, Tina Brown, disse à coluna de Monica Bergamo, na Folha de S. Paulo: “Dilma, e não Lula, é hoje o político alfa do Brasil”.
Como mulher, esse papo de “alfa” me dá um pouco de sono.
É tão masculino, não no sentido dos homens interessantes que estão surgindo nesta época, mas no sentido John Wayne dos trópicos.
Na cultura colaborativa que está nascendo, nada menos moderno do que achar inovador uma mulher alfa.
Quando as empresas e também os governos têm o desafio de se horizontalizar, valorizar os aspectos autoritários de uma liderança, seja ela um homem ou uma mulher, é manter o debate em marcha a ré.
(...)
Antes, em evento na ONU sobre a participação das mulheres na política, ao lado de Hillary Clinton e Michelle Bachelet, Dilma afirmara:
"As mulheres são especialmente interessadas na construção de um mundo pacífico e seguro.
Quem gera vida não aceita a violência como meio de solução de conflitos".
Com todo o respeito, isso é uma enorme bobagem.
Alguém acredita que as mulheres são menos violentas que os homens?
Podem ser, por questões históricas e culturais, violentas de uma forma diferente.
Mas até isso não é muito preciso.
E mais estranho soa quando é dito por uma mulher conhecida por destratar seus subordinados a ponto de levar alguns às lágrimas e dá murros na mesa como qualquer chefe bruto que ninguém quer ter não por ser exigente, mas porque berrar com alguém é desrespeitoso – e, como as empresas já começam a aprender, improdutivo.
E, neste caso, pouco importa se o destempero seja praticado por um homem ou uma mulher.
Há um bom tempo, esse tipo de comportamento deixou de ser confundido com firmeza e autoridade, independentemente de gênero.
Outro aspecto raso dessa afirmação sobre as mulheres e a geração da vida se evidencia no fato de que vivemos um momento histórico onde os homens estão sendo chamados a ocupar seu lugar na educação e no cuidado dos filhos.
Neste momento, valorizar a biologia na gestação da vida como algo que tornaria as mulheres mais aptas a governar apenas por serem mulheres é um tanto arcaico.
Gerar a vida vem ganhando significados mais profundos no mundo complexo e com fronteiras menos definidas em que temos o privilégio de viver.
(...)
Ana Alice Santos migrou do Paraná, onde trabalhava como doméstica desde os 6 anos de idade, para a Amazônia, onde se tornou agricultora.
Ela me contou sua experiência com Dilma Rousseff comendo um cacau diante de sua casa cercada por floresta.
E em nenhum momento foi possível esquecer que, se a sociedade não se fizer ouvir, toda a vida ali será afogada em breve por Belo Monte.
- Eu votei na Dilma.
E a maior decepção que eu tive foi o diálogo que ela não teve com a gente.
Em março, no mês das mulheres, nós fomos até Brasília: 1.800 pessoas.
E ela não nos recebeu.
Mostrou que não dá importância nenhuma para as mulheres da Amazônia.
Chamaram até a tropa de choque, mas a gente saiu pacificamente.
Fomos para conversar, não para brigar.
Saímos derrotadas, mas tentamos de novo entre o final de abril e o início de maio.
E ela mandou alguém da Casa Civil pegar o documento que trazíamos.
Viajamos três dias e duas noites.
E a presidenta não nos escutou.
Foi quando decidi não votar mais.
Não compensa você votar em quem não te representa.
Não compensa votar numa presidenta que é uma vergonha para as mulheres.
Porque nós, mulheres, tínhamos de fazer a diferença.
E como a Dilma está fazendo a diferença?
Matando as mulheres da Amazônia?
Matando os seres humanos que aqui sobrevivem?
Matando a nossa floresta, as nossas espécies dentro do rio?
Esta presidenta mulher está matando a nossa vida ao matar o Xingu.
Em seu discurso histórico na ONU, Dilma Rousseff afirmou:
“Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje”.
Ao ouvir essa parte do discurso, pensei que era de mulheres como Antonia Melo e Ana Alice que Dilma falava em sua retórica politicamente correta.
E que deveria dar minha contribuição para que essas vozes que tentam alcançar Dilma, mas que por ela têm sido repelidas, pudessem ser escutadas – se não pela presidente, pelo menos pela sociedade brasileira.
Vozes das mulheres do Xingu, cuja vida, a cultura e o futuro dos filhos estão ameaçados pela política para a Amazônia da “mãe do PAC”.
Gostaria que a primeira mulher presidente botasse em prática no Brasil o que disse nos Estados Unidos:
Não por ser mulher, mas porque dignidade não depende de gênero.
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