Fernando Gabeira - O Estado de S.Paulo
Dados na mesa: a corrupção desviou R$ 40 bilhões em sete anos, R$ 6 82 milhões no Ministério dos Transportes; o Brasil caiu 20 posições no ranking da infraestrutura, segundo pesquisa do Fórum Econômico Mundial - deixou o 84.º lugar para ocupar o 104.º.
Mesmo sem precisar o seu peso, é inegável que a corrupção desempenhou um papel nessa queda.
Apenas isso seria suficiente para justificar a presença da luta contra o desvio de verbas públicas no topo da agenda nacional.
O argumento da coalizão para conviver com esses fatos é o da governabilidade.
É o discurso dos dirigentes mais politizados.
No espaço virtual, onde as emoções estão mais à flor da tela, não são raras as tentativas de desqualificar a aspiração de grande parte da sociedade brasileira, revelada, parcialmente, nas demonstrações do 7 de Setembro.
A mais banal dessas tentativas é aprisionar o movimento dentro dos códigos do século passado, dominado pela guerra fria.
Esquerda e direita, naquele contexto, eram os polos da principal clivagem.
O movimento é de direita, dizem, logo, representa um atraso.
As pessoas que saíram às ruas talvez não se sintam nem de direita nem de esquerda, apenas defendem seus direitos e sonhos frustrados pela corrupção.
Num outro plano, há os que até entendem a disposição para a luta.
Lamentam apenas ver a energia dispersa num tema secundário.
Chegam até a sugerir um outro foco: a sonegação de impostos, dizem, mobiliza bilhões de reais.
Outra forma clássica de argumentar, que atravessou o século 20: a contradição principal é entre burguesia e proletariado; outras lutas, ainda que bem-intencionadas, podem levar à dispersão.
(...)
Tudo indica que o modelo de presidencialismo de coalizão, com o rateio de cargos entre os partidos, está esgotado.
O amadurecimento da democracia vai impor novos rumos.
No momento é difícil convencer disso os vencedores, que projetam novas vitórias eleitorais, seguindo a máxima esportiva de que em time que está ganhando não se mexe.
Os argumentos contra a corrupção não se limitam ao dinheiro perdido.
No plano simbólico, a devastação é maior ainda.
Milhares de pessoas se afastaram da política e a imagem internacional do Brasil sofre.
Recentemente, o WikiLeaks revelou uma correspondência do embaixador dos EUA, Thomas Shannon, afirmando que a corrupção no governo passado era generalizada.
É razoável perguntar: será que isso foi só a percepção do embaixador americano ou é a de todo o corpo diplomático?
As perspectivas tornaram-se mais interessantes agora, com a aparição de um movimento espontâneo e apartidário.
A preparação da Copa de 2014, necessariamente, recoloca o tema.
Faltam dados sobre os gastos e algumas estimativas os elevam a R$ 120 bilhões.
A reforma do Maracanã, por exemplo, tem hoje previsão de gastos de mais de R$ 900 milhões, apesar dos cortes do TCU.
Ela é sintomática.
A previsão inicial era de R$ 600 milhões.
A empresa responsável é a Delta, cujo dono é amigo do governador Sérgio Cabral.
Uma obra da Delta no aeroporto de Guarulhos chegou a ser interditada esta semana pela Justiça Federal.
Mesmo esquecendo momentaneamente a Copa, cujo processo ainda se vai desenrolar, é inegável que a corrupção influiu na resistência contra a recriação da CPMF.
Segundo o TCU, é na saúde que se registra um terço do desvio de verbas no País.
Ninguém tinha esses dados, mas quase todos desconfiavam.
(...)
Algo começou com as manifestações de 7 de Setembro.
Como em todos os pontos do globo, elas lançaram mão da internet, instrumento sobre o qual não há controle numa democracia.
Por outro lado, as tentativas de controle político dos meios de comunicação tradicionais tendem ao isolamento.
É preciso acreditar muito nos aliados para supor que possam erguer a bandeira da censura num ano eleitoral.
Dificilmente o Brasil aceitará pagar pedágio para que o governo faça a máquina funcionar.
Ela já é pouco racional.
Com os danos da corrupção, torna-se um obstáculo para um salto maior.
O Brasil cresceu, os horizontes políticos encolheram.
O sopro das ruas pode trazer a inspiração que faltava.
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