sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Os lírios do campo

Por Sandro Vaia

Quem semeia ventos não colhe exatamente lírios do campo.

As redes sociais, no Brasil, se transformaram ultimamente num tipo de lixeira político-ideológica onde todos os dias se lincham em primeiro lugar a verdade, em segundo lugar a razão, em terceiro lugar o respeito da convivência humana e, por último, mas nem por isso menos importante, os resquícios de civilidade que deveriam reger uma sociedade aberta e democrática.

O espetáculo degradante é regido pelas turbas militantes que trocaram os debates sobre conceitos, valores, princípios e convicções numa jihad alucinada, onde o que importa não é convencer o outro mas destruir o inimigo.

A espessa estupidez dos que atribuem intenções racistas a uma frase coloquial e banal como “o ministro caiu do galho”, ou que realmente acreditam que um almoço com um embaixador transforma um jornalista em “espião”, ganha o inacreditável contraponto da estupidez de sinal trocado de pessoas que se regozijam com a doença do ex-presidente Lula como se ela fosse a manifestação de algum tipo de categoria política.

Não existe forma de expressão humana capaz de chocar tanto quanto a manifestação de indiferença- ou pior ainda, de regozijo - de um ser humano diante do sofrimento do outro.
O respeito diante do padecimento dos outros é um traço cultural importante da raça humana e às vezes é o que nos distingue de alguns irracionais.
Desejar o padecimento ou a aniquilação física de qualquer ser humano por razões politicas é uma vileza difícil de conceber.

O uso político de uma doença é uma indignidade e uma canalhice que dificilmente encontrariam paralelo no vasto histórico das baixezas humanas.

Ponto e parágrafo.

Se o decoro recomenda a supressão da exploração política da doença, isso vale rigorosamente para os dois lados.
Transformar o mau agouro em bandeira política é tão ultrajante quanto tentar mitificar a doença e transformá-la em valor ou estandarte triunfalista.


Reduzir tudo à literalidade das palavras empobrece e estupidifica não apenas o seu significado, encolhendo-o ao maniqueísmo mais raso, mas é capaz mesmo de interditar a validade de um debate como aquele sobre o SUS, que se abriu nas redes sociais a pretexto da doença do ex-presidente.

É evidente que Lula tem o direito de escolher onde, quando e como vai se tratar, pois ele, além do livre-arbítrio, tem as condições econômicas para arcar com o tratamento.

Pedir que o ex-presidente vá se tratar no SUS, é uma evidente figura de linguagem, um sarcasmo usado para ironizar discursos e afirmações que ele fez no passado e que seria melhor que não tivesse feito.

Isso é desrespeito?

Desrespeito não seria falar demais sem medir as consequências?


Desrespeito não seria interditar o direito do cidadão de lembrar que ele não é idiota e que ninguém tem o direito de usá-lo como consumidor passivo de demagogia e mentiras?

Desrespeito seria lembrar que um líder político não tem o direito de dizer que “a saúde no Brasil está a um passo da perfeição” sem um dia ser cobrado por isso?

Essa não é uma boa hora para essas cobranças?

Tanto quanto não é uma boa hora para gravar um vídeo chamando para o próximo comício.

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