Belo Monte, nosso dinheiro e o bigode do Sarney
ELIANE BRUM (jornalista, escritora e documentarista) - ÉPOCA
Se você é aquele tipo de leitor que acha que Belo Monte vai “afetar apenas um punhado de índios”, esta entrevista é para você.
Talvez você descubra que a megaobra vai afetar diretamente o seu bolso.
Se você é aquele tipo de leitor que acredita que os acontecimentos na Amazônia não lhe dizem respeito, esta entrevista é para você.
Para que possa entender que o que acontece lá, repercute aqui – e vice-versa.
Se você é aquele tipo de leitor que defende a construção do maior número de usinas hidrelétricas já porque acredita piamente que, se isso não acontecer, vai ficar sem luz em casa para assistir à novela das oito, esta entrevista é para você.
Com alguma sorte, você pode perceber que o buraco é mais embaixo e que você tem consumido propaganda subliminar, além de bens de consumo.
Se você é aquele tipo de leitor que compreende os impactos socioambientais de uma obra desse porte, mas gostaria de entender melhor o que está em jogo de fato e quais são as alternativas, esta entrevista também é para você.
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Desta vez, propus uma conversa sobre Belo Monte a Célio Bermann, um dos mais respeitados especialistas do país na área energética. Bermann é professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp.
Ex-petista, ele participou dos debates da área energética e ambiental para a elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e foi assessor de Dilma Rousseff entre 2003 e 2004, no Ministério de Minas e Energia.
Célio Bermann foi também um dos 40 cientistas a se debruçar sobre Belo Monte para construir um painel que, infelizmente, foi ignorado pelo governo federal.
Vale a pena ouvir o professor a qualquer tempo.
Trechos abaixo e íntegra AQUI.
Na quinta-feira (27/10), centenas de pessoas, entre indígenas, ribeirinhos e moradores das cidades atingidas, ocuparam pacificamente o canteiro de obras de Belo Monte, no rio Xingu, pedindo a paralisação da construção da usina.
Foram expulsos por ordem judicial.
Enquanto o canteiro de obras era ocupado por uma população invisível para o governo de Dilma Rousseff, o cineasta Daniel Tendler apresentava no Seminário Nacional de Grandes Barragens, no Rio de Janeiro, o projeto de uma megaprodução cinematográfica que se propõe a documentar as obras de Belo Monte por cinco anos.
O projeto é comandado pela LC Barreto, a produtora da poderosa família Barreto, a mesma que fez “Lula, O Filho do Brasil”.
Ainda na semana passada, o governo federal publicou um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”.
Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país.
Sobre CAIXA-PRETA:
Bermann - ...Ainda no governo FHC, durante a privatização, o governo criou um Conselho Nacional de Política Energética.
Nos dois mandatos de FHC participavam os dez ministros, mas havia um assento para um representante da academia e um da chamada sociedade civil.
Eles sentavam, discutiam as diretrizes energéticas de uma forma aparentemente saudável, mas, no frigir dos ovos, na prática não mudava nada.
De qualquer forma, havia pelo menos esse sentido de escutar.
Isso, com Lula, acabou.
O resultado do governo "democrático popular" do Lula, nos dois mandatos, e da Dilma, agora, é a negação de escutar outros interesses que não sejam aqueles que sempre estiveram junto ao poder.
A própria Dilma, no início do governo Lula, tinha uma dificuldade muito grande de ouvir, de sentar-se com os movimentos sociais e ouvir.
Eu tive a oportunidade de vivenciar o primeiro mandato do Lula, lá, em Brasília.
- E qual era o seu papel?
Bermann – Era apagar fogo, este era o meu papel...
- E como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo?
Bermann – É um horror. É uma lentidão. É um imobilismo.
É incrível a capacidade da máquina de governo de fazer de conta que faz sem estar fazendo absolutamente nada.
Eu falo isso com todos os pontos nos “is”...
... Vou dizer de novo: não é possível a gente acreditar na capacidade gerencial de um governo que se submete a esse tipo de articulação política, colocando uma pessoa absolutamente incapaz de entender o que é quilowatt, quilowatt-hora.
De ir a público sem saber a diferença entre tensão em volts e energia em quilowatts-hora.
- A ameaça de retomar Belo Monte esteve presente também durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas só no governo Lula saiu mesmo do papel, o que ninguém imaginava que acontecesse, devido ao apoio massivo dos movimentos sociais da região à campanha de Lula.
O senhor acha que o fato de Belo Monte ter saído do papel tem a ver com a denúncia do Mensalão, em 2005, e a recomposição das forças políticas para a eleição de 2006?
Bermann - Não tenho a mínima ideia.
...Fictício porque esse custo não remunera o capital investido.
É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica.
Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda...
- Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?
Bermann – Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões.
Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões.
Isso sem falar em superfaturamento.
- Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?
Bermann – Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público...
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“Com Lula – e agora com Dilma – ocorreu a reprimarização da economia, com exportação de bens primários sem valor agregado, numa subordinação ao mercado internacional"
Célio Bermann
- Houve acentuação desse processo no governo Lula e agora no de Dilma Rousseff?
Bermann – O que acontece a partir de Lula é o que eu tenho chamado de "reprimarização da economia".
Nós já tivemos uma época em que a economia dependia basicamente da produção de bens primários: café, açúcar e também alguns bens industriais primários.
Depois, tivemos Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek), e nos anos 50 houve a substituição das importações com a vinda da indústria pesada.
Aquele período marca um processo acelerado de industrialização da economia brasileira em que se buscava um desenvolvimento tecnológico para acompanhar o ritmo internacional.
Agora, vivemos a reprimarização da economia.
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"Não é Programa Luz para Todos, mas Luz para quase Todos ou “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética."
Célio Bermann
(continua)
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