quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A USP e a corrosão do caráter

Roberto Romano, filósofo, professor de Ética e Filosofia na Unicamp, é autor, entre outros livros, de 'O Caldeirão de Medeia' (Perspectiva) - O Estado de S.Paulo

Acadêmicos brasileiros pouco afeitos à cultura imaginam que noções éticas, morais, científicas surgem apenas em textos considerados relevantes nas seitas universitárias.
A preguiça e a pressa na publicação, unidas, logo brotam juízos "definitivos" sobre algum campo do pensamento.

Assim ocorre com o tema antigo sobre a presença ou ausência de caráter nas pessoas.

Os supostos pesquisadores consideram que o conceito de uma corrupção do caráter aparece com o sociólogo norte-americano Richard Sennett.
(...)

A corrosão do caráter é potencializada quando os grupos e indivíduos assumem o perfil da militância.

O militante padrão, por mimetismo, sacrifica normas éticas, sociais e políticas em proveito de seu movimento, visto por ele como a fonte última dos valores.
Todos os demais âmbitos seriam movidos por interesses escusos.

(...)

No Brasil, temos um campo mais complexo.
Aqui, longe de permanecerem distantes e hostis aos poderes públicos, lutando contra eles na concorrência para dominar indivíduos e grupos, movimentos sociais mantêm excelentes tratos com os governos e Parlamentos.

Eles sabem aplicar ventosas nos cofres estatais (as ONGs...) de modo a expandir suas forças, mas guardam a retórica contrária ao Estado.
A busca de verbas põe a militância ao dispor de partidos políticos hegemônicos.
O militante exerce seu fervor de tal modo que, em pouco tempo, pratica o que suas doutrinas condenavam ou condenam.

O militante, cujo caráter foi corroído, julga que os interesses sociais alheios à sua pauta são "burgueses", "abstratos", "conservadores".

Ele se imagina autorizado a manter em lugares estratégicos oligarcas exímios na arte de roubar os cofres públicos.
Na superfície, movimentos como a UNE (e suas subsidiárias) arvoram palavras de esquerda.
Mas dão suporte às mais retrógradas forças políticas. Líderes estudantis que ontem lutavam contra a corrupção, ao subirem ao poder de Estado, guardam excelentes relações com oligarcas truculentos.
(...)

A que assistimos na USP nos últimos dias?
Lutas contra o arbítrio autoritário dos oligarcas?
Denúncias de corrupção política (que lesa milhões de brasileiros em termos de educação, saúde, cultura, ciência e tecnologia)?
Batalhas contra a falta de democracia nos grandes partidos, nos quais os dirigentes são donos das alianças, das candidaturas, dos cofres, sem ouvir as bases?
Movimentos contra o privilégio de foro, algo que faz de nosso Estado um absolutismo contrário à República?

A pauta dos militantes, professores e alunos é alienada em todos os sentidos, da marijuana ao populismo rasteiro.

Militantes fazem sua revolução em escala micrológica contra o reitor, mas os dirigentes nacionais do movimento estudantil negociam apoio aos donos do poder, os verdadeiros soberanos.

Aviso aos bajuladores do petismo: a noção de caráter é velha como o saber humano e foi estudada, sobretudo, por um pensador "burguês", Immanuel Kant.
Para ele, o caráter é "marca distintiva do ser humano como racional, dotado de liberdade".

O caráter "indica o que o ser humano está preparado para fazer a si mesmo".
Dentre as técnicas para a corrosão do caráter, as drogas são as piores.
É irresponsabilidade ética afirmar que elas não prejudicam os usuários ou "ajudam a melhorar a imaginação nas artes e nas ciências".
A leitura de pesquisas como a de Alba Zaluar, sobre a indústria das drogas, traria prudência aos seus apologetas nos câmpus.

Militantes sempre ignoram e combatem a liberdade e a dignidade alheias, basta ver as multidões que apoiaram tiranias modernas, do fascismo ao stalinismo.

Hoje, na USP, a militância aposenta a busca de "mudar o mundo".
Sobram os coquetéis Molotov para a defesa do nada, da irrelevância absoluta, da morte.

Íntegra AQUI.

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