Demétrio Magnoli
A tese da quadrilha, emanada da acusação e adotada pelo
relator, ministro Joaquim Barbosa, orienta a maioria dos juízes do
Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso do mensalão.
Metodologicamente, ela se manifesta no ordenamento das deliberações, que
agrupa os réus segundo a lógica operacional seguida pela quadrilha.
Substantivamente, transparece no conteúdo dos votos dos ministros, que
estabelecem relações funcionais entre réus situados em posições
distintas no esquema de divisão do trabalho da quadrilha.
As exceções
evidentes circunscrevem-se ao revisor, Ricardo Lewandowski, e a José
Antônio Dias Toffoli, um ex-advogado do PT que, à época, negou a
existência do mensalão, mas agora não se declarou impedido de participar
do julgamento. O primeiro condenou os operadores financeiros, mas
indicou uma inabalável disposição de absolver todo o núcleo político do
sistema criminoso. O segundo é um homem com uma missão.
O relatório de "contraponto" do revisor, uma cachoeira interminável
de palavras, consagrou-se precisamente à tentativa de implodir a tese
principal da acusação. Sem a quadrilha a narrativa dos eventos
criminosos perderia seus nexos de sentido. Como consequência,
voluntariamente, a mais alta Corte vendaria seus próprios olhos,
tornando-se refém das provas materiais flagrantes. Juízes desmoralizados
proclamariam o império da desigualdade perante a lei, condenando
figuras secundárias cujas mãos ainda estão sujas de graxa para
absolverem, um a um, os pensadores políticos que coordenavam a orgia de
desvio de recursos públicos.
Esse caminho, o sendero de Lewandowski,
felizmente não prosperou. Há um julgamento em curso, não uma farsa.
(...)
O enigma é, porém, ainda mais complexo. Como registrou o advogado de
defesa do ex-deputado Roberto Jefferson, há um réu ausente, que atende
pelo nome de Lula da Silva.
Toda a trama dos crimes, tal como narrada
pela acusação, flui na direção de um comando central. Dirceu, prova o
procurador-geral, detinha autoridade política sobre os operadores
cruciais do mensalão. Mas acima de Dirceu, no governo e no PT,
encontrava-se Lula, "um sujeito safo" que "sempre se mostrou muito mais
um chefe de governo do que chefe de Estado", nas palavras do mesmo Marco
Aurélio. A peça acusatória, todavia, não menciona Lula, o beneficiário
maior da teia de crimes que alimentavam um sistema de poder. A omissão
abala sua estrutura lógica.
"Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?", perguntou Marco
Aurélio, retoricamente, ao jornalista que o entrevistava.
Ninguém acha -
e existem diversos depoimentos que indicam a ciência plena do então
presidente sobre o essencial da trama. O mesmo tipo de prova indireta,
não documental, utilizada na incriminação de Dirceu poderia - e,
logicamente, deveria - ter sido apresentada para pôr Lula no banco dos
réus. Mas o procurador-geral escolheu traçar um círculo de ferro em
torno de um homem que, coberto de motivos para isso, se acredita
inimputável. A opção da acusação, derivada de uma perversa razão
política, assombrará o País por longo tempo.
Íntegra AQUI.
* SOCIÓLOGO E DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP.
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