Atenção, senhores ministros e ministras! Maior do que o PT, a história espreita suas respectivas biografias! Ou: O Super-Lewandowski contra a verdade dos fatos e a verdade processual
Por Reinaldo Azevedo
O
Supremo Tribunal Federal assistiu ontem, quero crer, a uma cena
inédita. O ministro Ricardo Lewandowski, a esfinge sem segredos,
declarou, conforme antecipei aqui e no debate na VEJA.com, a inocência
do deputado federal João Paulo Cunha (SP). O rigor com Henrique
Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil e peixe pequeno do
petismo, era a véspera do vale-tudo com João Paulo, como naquele poema
de Augusto dos Anjos, em que o beijo precede o escarro. “Mas o que é que
nunca se viu antes, Reinaldo? Um ministro declarar inocente o réu?”
Não! A isso já se assistiu outras vezes.
O
espantoso era o tom militante do ministro. Se, no dia anterior, havia
feito, nas suas próprias palavras, um “desagravo” a Luiz Gushiken, nesta
quinta, comportou-se com um entusiasmo que não se viu nem em Alberto
Toron, o advogado do réu. Aquele, ao menos, teve o cuidado de citar o
poeta Oswald de Andrade (ainda que tenha invertido o sentido da
citação). Lewandowski preferiu evocar em defesa de João Paulo o
testemunho isento do petista José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça…
Escrevi ontem aqui
e reitero: a única diferença entre os casos João Paulo Cunha e Henrique
Pizzolato é a soma de dinheiro envolvida na tramoia. Aquele repassou
para a agência do Valério pouco mais de R$ 76 milhões pertencentes ao
banco; o deputado, pouco mais de R$ 10 milhões. Aquele recebeu R$ 326
mil da agência do empresário (diz ter repassado a alguém do PT…); o
deputado, R$ 50 mil. Aquele estava pessoalmente envolvido na liberação
dos recursos; o deputado também.
Releiam o voto
de Barbosa, que lida com fatos — todos documentados: se os atos de
ofício são necessários para caracterizar a corrupção passiva (leiam o
Código Penal; isso não é verdade), os há muito mais no caso João Paulo
do que no caso Pizzolato.
Então por que a diferença de tratamento?
Porque o réu de agora é um nomão do PT, e a sua eventual absolvição
antecipa a dos políticos, muito especialmente a de José Dirceu.
Lewandowski
entregou-se à defesa com dedicação, com zelo, com esmero. Não faltaram
nem mesmo alguns momentos que poderiam ser caracterizados de puro
cinismo. A SMP&B era uma agência de publicidade. Couberam-lhe
tarefas tão díspares como contratar um instituto de pesquisas ou cuidar
do mobiliário da Casa. O ministro revisor achou tudo normal. Quando o
voto de Lewandowski for publicado, vocês lerão que, num dado momento,
ele fala na “verdade processual”. E chama a atenção para a expressão,
como a dizer: “Eu não estou falando necessariamente da verdade dos
fatos, mas da verdade que está no processo”. O tema é bom. Rende muito.
O
ministro, de fato, está lidando com uma máxima de que inexiste o que não
está nos autos. Bem, de todo modo, as lambanças de João Paulo com a
agência de Valério estão, sim, nos autos, devidamente documentadas. Sua
observação é ociosa. Mas não me furtarei a fazer alguns comentários a
respeito.
O conceito
de verdade processual deve valer como um instrumento de segurança, não
de impunidade. Uma “verdade processual” que se choca frontalmente com a
“verdade dos fatos” verdade não é, nem mesmo processual. Pode ser apenas
um farsa ardilosa daqueles que escaparão impunes e daqueles que lhes
garantirão a impunidade. Dou um exemplo dentro do próprio processo,
querem ver?
- é da ordem dos fatos que Pizzolato liberava os recursos do fundo Visanet para a agência de publicidade na parcela que concernia ao Banco do Brasil;
- é da ordem dos fatos que aquele era dinheiro público;
- é da ordem dos fatos que o serviço não foi prestado pela agência;
- é da ordem dos fatos que Pizzolato recebeu um maço com R$ 326 mil.
Muito bem!
Digamos que não se pudesse apontar o “ato de ofício” do ex-diretor de
marketing. Nesse caso, a “verdade processual” deveria servir para
fraudar a verdade factual e para fazer um impune?
Quantos
ministros vão seguir Lewandowski em seu confronto com os fatos — e, no
caso, com a verdade processual também? Não sei! Faça cada um o que bem
entender da sua própria história. Mas uma hora essa onda passa. E então
será a história a fazer a justiça que eles se negarem a fazer —
inclusive com suas respectivas biografias.
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