Ultimamente tenho postado mais textos de opinião do que notícias e o motivo principal me anima a continuar assim. Até pouco tempo atrás, amigos e pessoas com quem eu conversava esporadicamente expressavam um ar de desconfiança quando eu relatava algum fato que contrariava a publicidade oficial, geralmente pescado em pequenas notas dos jornais ou nas redes sociais, mas que não era divulgado na grande mídia.
Aos poucos, porém, percebo que mais pessoas estão buscando a informação ou, finalmente, certos acontecimentos estão chegando ao conhecimento da população.
O interesse no julgamento do Mensalão já é um avanço e cada vez mais os brasileiros estão conseguindo entender a gravidade do caso.
Entretanto, um aparato de propaganda ainda cria a ilusão de que o padrão de vida do brasileiro é, atualmente, superior ao das populações dos países europeus em crise ou até mesmo dos Estados Unidos da América.
Vejam informação que envergonharia o Brasil, se tivéssemos um choque de realidade, publicada semana passada no blog do jornalista Cláudio Humberto:
O crescimento da CLASSE MÉDIA brasileira foi notícia na Noruega, na liderança do bem-estar mundial.Doeu ler que aqui a renda mensal varia de US$ 143 (R$ 291) a US$ 502. Em dólar é ainda mais espantoso.*
Setores da política que tripudiam da crise alheia ignoram ou omitem que a pobreza americana, por exemplo, corresponde a uma renda anual de até US$ 22.314 para uma família de quatro membros, ou de até US$ 11.139 para uma só pessoa.
Fazendo-se a conversão para reais, essas rendas correspondem à renda de boa parte de nossa atual classe B, que vai de R$ 1.200 a R$ 5.174 por mês depois que resolveram mudar a METODOLOGIA (esse é o truque).
O governo brasileiro comemorou quando, por pouco tempo, ultrapassou o Reino Unido no ranking das maiores economias do mundo, mas o salário mínimo britânico é aproximadamente quatro vezes superior ao nosso.
Outro ítem que coloca o trabalhador brasileiro em desvantagem: editorial de O Globo mostra que a renda per capita brasileira é de apenas US$ 12.916, enquanto a inglesa está em quase US$ 40 mil.
O censo de 2010 indicou a existência de 16,2 milhões de miseráveis ou 8,5% da população, o dobro do indicado pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e alardeado nos discursos do governo nos últimos dias. Mas, de acordo com o Ipea, não é possível comparar dados do censo e da Pnad, já que as "metodologias" são distintas. Entenderam?
Como explicar, também, que a mágica dos números promovam famílias que sobrevivem com menos de um salário mínimo à condição de Classe Média se, mais do que ser induzida a se atolar em dívidas, essa parcela da sociedade não tem nem privacidade fisiológica?
Enquanto as discussões se concentram no acesso à rede de coleta de esgoto - que chega a apenas à metade dos lares brasileiros - uma parcela significativa desses domicílios sequer tem banheiro em casa para ser ligado a ela.
São 3.562.671 domicílios sem banheiro no país, o que representa 6,2% das casas, de acordo com os números do Censo 2010, divulgados pelo IBGE.
*
Outra falácia é a do pleno emprego.
Dados recentes mostram que o desemprego no Brasil cresceu em agosto, segundo taxa medida pelo Dieese. Passou de 10,7% em julho para 11,1%. Nos EUA, Barack Obama festejou a taxa de 8,3% em plena crise.
Os dados do Dieese divergem dos divulgados pelo IBGE (desemprego medido pelo instituto passou de 5,4% em julho para 5,3% em agosto) por razões "metodológicas". Mas são esses índices, os que interessam ao governo, que são divulgados na mídia.
O conflito entre o ufanismo e a realidade acabam gerando aberrações, como os resultados de pesquisas que medem a aprovação do governo. Os índices apresentados são extremamente favoráveis, mas a avaliação de setores considerados essenciais mostram um governo desastroso. É o caso da sempre mal avaliada área da saúde, desaprovada por 65% da população. O peso dos impostos também não agrada (57%), assim como a segurança pública (57%) e a educação (51%).
O que ilude nosso povo é a facilidade para gastar, mesmo sem ter renda suficiente para bancar as prestações dos inúmeros carnês ou os empréstimos que fazem a alegria das instituições financeiras.
O equilíbrio econômico sem inflação, conquistado nos anos noventa, vem sendo corroido progressivamente. E a gastança sem critério, muito diferente do consumo responsável, esse, sim, é saudável e necessário, é o principal vilão que vem enfraquecendo a economia do país e já reflete no orçamento das famílias, junto ao que é desviado nos esquemas de corrupção, é claro.
Com um padrão de vida muito superior ao nosso, populações de países europeus saem às ruas em manifestações de revolta contra a crise provocada por esses excessos que agora se pratica no Brasil, ou seja, o esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico baseado no exagero do consumo e dos empréstimos muito além das possibilidades.
Como mostra Zuenir Ventura, os efeitos do empobrecimento começam a incomodar o europeu, citando como exemplo a presença de mendigos e a delinquência.
Como no Brasil isso já faz parte de nossa paisagem e de nossa cultura, talvez por isso o brasileiro nem se dá conta que está no fundo do poço.
O ego inflado, estimulado irresponsavelmente pelos donos do poder e reforçado pela mídia, que deveria ter compromisso com a verdade dos fatos e não se deixar pautar de maneira tão submissa por interesses imediatistas (refém do patrocínio das estatais), faz com que o brasileiro não enxergue sua real condição e suas carências. Com a visão distorcida, acredita que vive melhor mesmo sem nenhum resultado prático. Ainda fazemos o papel ridículo de debochar do europeu, que luta bravamente para não perder a dianteira no indicador mais importante que mede o bem-estar social, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que coloca o Brasil na vergonhosa posição de 84º país do mundo.
Está na hora de acordar o Brasil que vive no mundo dos sonhos e começar a REALIZAR.
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