terça-feira, 6 de novembro de 2012

RETROCESSO - O “Brasil Sem Miséria de Dilma” recria a indústria da seca


Seca. Francisco Romão (sentado) com a família, na casa de taipa onde moram na cearense Cedro: nas três garrafas PET em primeiro plano está o que sobrou da colheita dele
Foto: O Globo / Hans Von Manteuffel

Por Alessandra Duarte e Carolina Benevides, no Globo:

“Consegui tirar isso aqui”, é a resposta do agricultor ao ser perguntado o que ele queria dizer quando afirmava ter perdido “tudo” com a seca que atinge o Ceará este ano.
Romão mora com a mulher e os quatro filhos em Cedro (CE), a cerca de 400 quilômetros de Fortaleza, no semiárido. Vivem com R$ 204 do Bolsa Família e mais uma aposentadoria por invalidez — há seis anos, o agricultor teve um AVC. Apesar da perda com a estiagem, até meados deste ano Romão afirmava não receber, há mais de dois anos, o Garantia Safra, benefício que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) paga a agricultores familiares com renda familiar mensal de até 1 salário mínimo e meio, em municípios que perderam no mínimo 50% da produção com a seca.
Enquanto isso, em Cedro, o ex-secretário municipal de Agricultura e o ex-coordenador do Conselho Municipal de Desenvolvimento Social (CMDS), órgão que cuida da execução do programa lá, são réus em ação que corre na Justiça Federal, acusados de cadastrar beneficiários irregulares no programa — como servidores públicos, fornecedores da prefeitura ou prestadores de serviços a ela. As denúncias também foram alvo de operação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União com os MPs estadual e Federal.
Tema da terceira reportagem de série sobre fraudes em ações para o público do plano Brasil Sem Miséria que O GLOBO publica desde domingo, as denúncias são exemplo de que, apesar de novos projetos, o público-alvo desses programas sofre com irregularidades que revivem antiga tradição: a exploração da chamada indústria da seca.
(...)
Há 20 anos entregando água nas casas da cidade com uma carroça, Antônio Garcia, de 59 anos, é outro agricultor que diz não receber o Garantia Safra “faz anos”. No mesmo caminho para o poço onde Garcia ia pegar água, vinha o agricultor João Cordeiro: “Já tentei me cadastrar três vezes”, diz Cordeiro, sem o benefício pelo menos até julho. Outro agricultor, Francisco Cleilson Lima diz ter pago pela adesão ao programa para as safras 2008/2009 e 2009/2010, e não ter chegado nenhum benefício até agosto deste ano.
Ao receber O GLOBO, o prefeito de Cedro negou todas as acusações sobre as supostas irregularidades na sua gestão. E disse que, no lugar de Paulo Júnior, quem respondia pelo CMDS agora era Maria Anamélia Castro, agente de Saúde. Mas foi Paulo Júnior quem o prefeito chamou para acompanhar a entrevista e para responder ao GLOBO sobre o programa.
“O que pode ter sido é que a pessoa (cadastrada) não é agricultor, mas tem marido agricultor, por exemplo. Não pode impedir ninguém de se cadastrar; se você se nega a cadastrar, cria um problema na comunidade”, disse Paulo Júnior, ao lado do prefeito. “Então, pensamos, vamos cadastrar todos, e depois excluir quem não for (do perfil). Mas é ruim o relatório de exclusão”.
Perguntado sobre as acusações de que servidores ou fornecedores da prefeitura estavam entre os beneficiários, e se, nesse caso, a prefeitura já não saberia que essas pessoas não eram do perfil do programa, Paulo Júnior respondeu: “Isso é muito subjetivo. Não é todo mundo que conhece todo mundo.”
(…)

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