domingo, 18 de novembro de 2012

Violência em São Paulo: Fatos que desmascaram certo jornalismo que encoraja o crime

VEJA 

O confronto entre o PCC e a polícia fez o número de mortes em São Paulo subir nos últimos meses, só que nem tudo pode ser debitado na conta desse embate. A população está assustada, mas a violência nem de longe se compara à de uma década atrás.

Durante todo o ano de 1999, um paulistano era assassinado a cada uma hora e meia. Foi o auge da barbárie na cidade, mas a rotina das pessoas não se alterava, os restaurantes e bares continuavam cheios, o assunto não dominava as conversas – não se ouvia a palavra guerra. 
Depois de mais de uma década de queda acentuada nas estatísticas de homicídios, São Paulo terminou 2011 com uma morte violenta a cada oito horas e meia. Mas a percepção dos cidadãos nem sempre acompanha a realidade. 
Escaldados pela onda de atentados terroristas do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 2006, quando a cidade ganhou ares de Ensaio sobre a Cegueira com suas sempre movimentadas avenidas desertas em plena luz do dia, os 11 milhões de habitantes de São Paulo tornaram-se mais receosos. Agora, estão mais uma vez com medo. Mas por quê?
A criminalidade, de fato, aumentou muito nos últimos seis meses. Em outubro, houve 149 assassinatos, quase o dobro dos 78 no mesmo período de 2011. Ainda assim, isso significa uma morte a cada cinco horas – um número muito mais baixo que o de dez anos atrás. 
O principal motivo desse novo surto de violência em São Paulo é, sim, um confronto velado entre policiais e criminosos do PCC. 
Mas, para entender o que se passa, é preciso fugir do retrato alarmista e superficial e analisar friamente os casos. A verdade é que nem todo policial assassinado foi vítima do PCC, e nem todos os civis mortos foram alvo de vingança de policiais. 
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A explicação serve para desmontar discursos políticos inconsequentes, mas não para acalmar a população. 
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O que está por trás, então, da violência que alterou a rotina de enormes bolsões da periferia?
Integrantes da cúpula que elabora a política estadual de segurança afirmam que, no início deste ano, o serviço de inteligência da polícia paulista detectou que o PCC preparava uma nova geração de líderes, que, para se legitimar, planejava grandes roubos e atentados. Por essa narrativa, a ação da Rota – a tropa de elite da Polícia Militar – não foi uma ofensiva aleatória, mas estratégica. 
“A Rota não dispersou forças, agiu com inteligência em cima de pontos estratégicos do PCC”, afirma um dos responsáveis. 
Em um aspecto, a avaliação do governo estadual coincide com a de policiais que estão nas ruas na linha de frente de combate ao crime e também dos bandidos: em determinado momento, a letalidade do poder público aumentou. 
Em maio, a Rota matou seis integrantes do PCC na Zona Leste. Em setembro, nove criminosos foram mortos enquanto promoviam um julgamento em um sítio na Grande São Paulo. As apreensões cresceram também. Em uma ação, a polícia conseguiu capturar uma quantidade de drogas, armas, dinheiro e explosivos que equivale ao faturamento de um ano de roubos do PCC. Os criminosos, seja pelo abalo financeiro, seja pelo que perceberam como uma quebra das “regras do jogo”, reagiram.
O acirramento da violência e a sensação de insegurança passaram a prejudicar os negócios da facção, principalmente o tráfico de drogas. Desde o fim de setembro, gravações em poder da polícia mostram líderes do PCC ordenando que cessem os ataques a policiais. Mas, por vários motivos, a situação já havia saído de controle. Hoje, o PCC não é mais tão bem organizado quanto era nas ações de 2006. Não há um comando unificado. O mais famoso líder do grupo, Marco Willians Camacho, o Marcola, está preso há seis anos e perdeu poder. 
“Hoje o Marcola é uma espécie de rainha da Inglaterra do crime”, afirma um promotor que investiga a facção. 
Dois bandidos brigam pela sua sucessão – Roberto Soriano, o Beto Tiriça, e Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka -, o que provoca uma divisão entre os membros da facção que estão na rua. Mais violento e menos estrategista, Vida Loka defendeu a continuidade dos ataques mesmo depois de a maior parte do bando ter recuado. 
Para piorar a situação, bandidos comuns, sem ligação com a facção, aproveitaram a onda de violência para eliminar desafetos e atribuir as mortes ao PCC. O grupo criminoso é um inimigo real, e não um grupo em processo de extinção, como alguns assessores do governador Geraldo Alckmin (PSDB) insistem em dizer. Mas o poder da facção não chega perto do de grupos criminosos do Rio de Janeiro, como o Comando Vermelho, o Terceiro Comando e as milícias comandadas por ex-policiais.
Um dos efeitos mais nefastos da percepção de que o crime pode confrontar o poder público é o encorajamento dos bandidos. 
Um exemplo disso ocorreu na semana passada em Santa Catarina. Descontentes com a linha-dura em uma prisão de segurança máxima, criminosos lançaram uma ofensiva à la PCC. Quase quarenta veículos, entre ônibus e carros, foram incendiados no estado, onde bandidos chegaram a atirar contra postos da polícia – três marginais acabaram mortos. Mais cedo ou mais tarde, vão perceber o óbvio: é impossível para uma quadrilha, por mais organizada que seja, derrotar a força do estado.
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Impressão X realidade
A política de segurança pública de São Paulo está sendo fuzilada sem chance de defesa, com requintes de covardia técnica, intelectual e política. 
Houve, sim, um recrudescimento da criminalidade no estado, o que requer uma intervenção especial do poder público. Mas daí a caracterizar a situação como perda do controle vai a diferença que distingue a verdade da mentira. O alarde não busca corrigir erros e vícios. Ao contrário. Ele ignora e esmaga as virtudes de uma gestão que, nos últimos dez anos, merece mais elogios do que críticas.
Não me ocupo de impressões, mas de dados; não me posiciono sobre utopias redentoras, mas sobre fatos. E é fato que o estado de São Paulo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apresentou a mais baixas taxas de crimes violentos letais intencionais (CVLI) do país em 2011 — 10,8 por 100 000 habitantes.
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Comparar é fazer justiça. O índice do Brasil como um todo é de 23,6 por 100 000. Em Alagoas, esse indicador alcança 76,3. No Espírito Santo, vai a 45,6. Em Pernambuco, chega a 38,1. Sergipe tem 33,9. Na Bahia, o índice alcança 33,2 e no Rio de Janeiro, 25,8.
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O Brasil é um país perigoso. Foram assassinadas, em 2011, perto de 50.000 pessoas. Se a taxa nacional fosse igual à de São Paulo, 30.000 pessoas teriam escapado da morte
O Brasil é um país perigoso. Foram assassinadas, em 2011, perto de 50.000 pessoas — não há o número exato porque há estados que omitem dados. São Paulo oferece menos risco do que o Brasil. Se a taxa nacional fosse igual à do estado, cerca de 30.000 pessoas mortas de forma violenta estariam vivas hoje. Número é argumento.
O estado de São Paulo tende a fechar o ano com 10,77 mortos por 100.000 habitantes. Na cidade de São Paulo, o índice deve chegar a 11,3 por 100.000. Isso significa que, no ano em que São Paulo foi mostrado na televisão como um teatro de guerra urbana, o estado ainda figurará nas estatísticas confiáveis como o mais seguro do Brasil.
É preciso olhar também a história. Segundo o Mapa da Violência, houve 42,2 mortos por 100.000 habitantes no estado em 2000. Em 2010, 13,9 — menos 67%. Foi a maior queda de criminalidade registrada no Brasil. A taxa recuou em apenas sete unidades da federação. Subiu nas outras vinte. Muitas vezes brutalmente (303,2% na Bahia; 269,3% no Maranhão; 252,9% no Pará).
A vida humana é assunto sério e não pode ficar entregue a chicanas político-partidárias e ao terrorismo. Usar a criminalidade urbana como parte de um projeto político para tomar o Palácio de Inverno — no caso, o dos Bandeirantes — não é decente e merece o repúdio dos paulistas e de todos os brasileiros de bem.
Clique aqui para acessar o Anuário Brasileiro de Segurança Pública;
Clique aqui para acessar o Mapa da Violência
Leia mais na edição de Veja desta semana.

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