Ainda o beijo na boca e uma democracia sob tutela
Por Reinaldo Azevedo
Eu
sou pelo beijo na boca. Desde que seja consensual, beijo na boca é
sempre a favor. O que acho estranho é a modalidade “beijo na boca
contra” — contra o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), por exemplo, como
fizeram as atrizes Fernanda Montenegro e Camila Amado. Aliás, se o
Brasil sair se beijando para pressionar Feliciano a renunciar, não vejo
nada demais. O que não é possível é transformar a Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara num circo porque, afinal, os manifestantes
não concordam com as ideias do presidente. O Brasil aboliu, a duras penas, o delito de opinião. Se boa parte da imprensa se esqueceu disso, faço questão de lembrar.
Quando o
delito de opinião foi extinto, também os adversários passaram a gozar da
licença de dizer o que pensam. E há pessoas que são contrárias ao
casamento gay. E daí? “Casamento” não é direito natural. É um jeito que a
sociedade tem de organizar as famílias. Mundo afora, as sociedades
determinam o que pode e o que não pode, havendo, sim, “discriminações”
aceitas como medida de prudência. Ninguém pode se candidatar à
Presidência da República ou ao Senado com menos de 35 anos, por exemplo.
É uma combinação. Pessoalmente, não vejo por que os gays não podem se
casar. Feliciano não pensa como eu. E caberia perguntar àqueles que
aderiram ao linchamento moral onde está escrito que ele está proibido de
dizer o que pensa.
Essa
chacrinha é vergonhosa! É típica de uma democracia que está vivendo sob
tutela — sob a tutela, no caso, de grupos militantes.
Um país em que os
petistas João Paulo Cunha e José Genoino — condenados pelo STF por
levezas como peculato, formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção
passiva e lavagem de dinheiro — são membros da Comissão de Constituição
e Justiça está com sintomas de esclerose política, isto sim! E um
deputado vira o inimigo público nº 1 dos grupos militantes e da imprensa
porque se opõe ao casamento gay? Ora, tenham paciência!!! Não estou
aqui demonizando protestos, não! Que os manifestantes ocupem o gramado
do Congresso, a Esplanada toda; que Fernanda Montenegro beije Camila
Amado e quantas outras lhe der na telha; que a turma se junte lá na ABI
para dizer o que pensa. Tudo isso é do jogo democrático. O que não dá é
para se comportar como tropa de choque.
O ex-BBB
Jean Wyllys (PSOL-RJ), um dos organizadores da bagunça no Congresso, foi
eleito com pouco mais de 13 mil votos.
(...)
Wyllys
está no seu elemento. Foi se fazendo de vítima ativa que conquistou os
brasileiros no BBB. Os bucéfalos que o hostilizaram porque era gay
jogaram o seu jogo, conforme ele queria. Descobriu o poder da vítima — e
nada é mais eficaz (a depender do caso, também é perigoso) do que uma
“vítima” no ataque. Cria-se uma coisa curiosa: por mais, então, que essa
vítima disponha de todos os meios para massacrar o outro, para
espezinhá-lo, para ridicularizá-lo, continua… “vítima”. Essa condição
deixa de ser um estado transitório para virar uma categoria: categoria
política, categoria de pensamento, categoria moral, categoria espiritual.
Quem é que
tem hoje a imprensa na mão? Quem mobiliza os formadores de opinião?
Quem é o dono do falso consenso (sim, um plebiscito diria o que pensa
maioria)? É Feliciano? Não! Essa personagem poderosa, hoje, é Jean
Wyllys — como poderoso ele se tornou na “casa mais vigiada do Brasil”.
Louvo a sua esperteza, claro!, e lamento a estupidez destes dias, em que
os critérios elementares do que é democracia foram esquecidos.
(...)
Em
entrevista o Radar, de Lauro Jardim, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
disse o óbvio: se Feliciano renuncia, não se elege nunca mais; se fica,
pode ter um milhão de votos. O próprio Jean Wyllys certamente
multiplicou o seu eleitorado a valer, não é? Há muita gente que concorda
com ele, mas há ainda mais gente que concorda com Feliciano. Os dois
saem como heróis de suas respectivas causas, mas é certo que o deputado
do PSC está tendo uma projeção que obviamente não teria não fosse o
deputado do PSOL ter empregado também como político a sua técnica para
vencer o BBB.
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