O Estado de S.Paulo (Editorial)
Entre as obrigações que, no seu entender, o cargo que ocupa lhe
impõe, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, citou a de "tentar
viabilizar" projeções otimistas. Postas assim as coisas, como fez o
ministro durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) do Senado, parecem justificadas todas as suas previsões, mesmo as
mais disparatadas, como a feita no início do ano passado, quando previu
que, apesar do quadro de grandes dificuldades da economia mundial, a
economia brasileira cresceria 4%. O resultado apurado pelo IBGE, como se
sabe, foi uma expansão de apenas 0,9%.
(...)
No plano interno, a seu ver, as medidas de estímulo ao crescimento
começam a produzir efeitos e, por isso, a economia já mostra um
crescimento maior. "Estamos numa trajetória gradual de aceleração da
economia, enfrentando as dificuldades que continuam na economia
internacional", afirmou. E foi um pouco além, ao dizer que acredita que a
economia pode crescer 4%, mais do que os 3%, em média, que os
economistas privados estão prevendo. Tomara que acerte desta vez.
Mas o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) apontou razões para duvidar.
"Pelos números do PIB dos últimos dois anos, percebemos que a bola de
cristal de V. Exa. continua quebrada", disse o senador ao ministro. "Não
sabemos se é pior a incompetência ou a mentira deliberada, e estamos
preocupados com as consequências."
Em resposta, o ministro reconheceu que "minha bola de cristal pode
ter tido alguns defeitos, mas costuma funcionar". Às vezes,
reconheça-se, até acerta.
A despeito dos prejuízos que erros grosseiros de projeção,
deliberados ou não, causam à imagem das autoridades, eles são menos
graves para a credibilidade da política econômica do que meias-verdades
que essas autoridades transformam em argumentos para defender suas
ações. Em pelo menos dois momentos o ministro da Fazenda utilizou esse
recurso durante a audiência na CAE do Senado.
Um dos momentos foi quando tratou da política fiscal, cuja execução
se tornou mais difícil por causa da estagnação da arrecadação tributária
em decorrência do mau desempenho da economia. Para atingir o superávit
primário sem cortar despesas de custeio nem reduzir o ritmo em que vem
concedendo benefícios tributários a setores escolhidos, sob a
justificativa de estimular a atividade econômica, o governo vem lançando
mão de recursos contábeis. Entre eles estão a apropriação antecipada de
dividendos de estatais e a exclusão de investimentos do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) do cálculo do superávit primário.
O senador paranaense disse que esse procedimento equivale a "truque",
"manobra contábil" e "kit maquiagem". Em resposta, o ministro afirmou
que tudo está de acordo com a lei orçamentária e com a Lei de
Responsabilidade Fiscal. De fato, está. Mas esse tipo de artifício torna
obscura a política fiscal, o que corrói sua credibilidade.
Outro momento em que usou a meia-verdade foi quando tratou da
inflação, para garantir que não há risco de ela ficar acima da margem de
tolerância da política de meta inflacionária. Também neste caso ele
está certo. Mas é preciso observar que a meta, mantida há vários anos, é
alta, se comparada à inflação média dos países ricos, e sua margem de
tolerância é ampla demais, o que dá grande folga ao governo. Mesmo
assim, o governo vem agindo de maneira atabalhoada, tentando conter
preços e tarifas por meio de acordo políticos ou de seguidas reduções de
tributos, o que torna sua política econômica ainda mais questionável.
Em cortes de despesas, nem pensar.
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