Sobre beijos e tapas
Por Reinaldo Azevedo
A semana termina sob o signo do beijo. Falemos, então, de beijos. E também de tapas.
Vejam esta imagem.
Acima, o
então cardeal de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, beija os pés de
pacientes de AIDS internados numa instituição da capital argentina na
Missa de Lava-Pés de 2001. Ele preferia realizar o ritual da
Quinta-Feira Santa fora das igrejas. Avancemos 12 anos.
Vocês veem
aí o agora papa Francisco, em Roma, numa instituição que abriga
adolescentes infratores. Ele lavou, secou e beijou os pés de 12 jovens.
Repete o gesto de Jesus com os apóstolos na Última Ceia. É a primeira
vez que um papa celebra a Missa de Lava-Pés fora da Basílica de São
Pedro ou de São João de Latrão. Havia duas moças entre os 12 jovens, uma
delas muçulmana, a exemplo de outro detento. Mulheres e muçulmanos
jamais haviam participado dessa cerimônia.
Falemos de outros beijos.
Essa foto
vocês já conhecem. Durante uma solenidade de premiação de teatro, na
segunda passada, as atrizes Fernanda Montenegro e Camila Amado trocaram
um beijo na boca. Foi uma tentativa de acertar um tapa no deputado Marco
Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara. A Quinta-Feira Santa no Brasil também teve o seu
beijo polêmico, que rompeu limites, como se vê abaixo.
A TV Globo
fez uma megaevento para anunciar a programação de 2013. No palco,
vestidas de noiva, as atrizes Fernanda Torres e Andréa Beltrão
beijaram-se na boca. O evento foi gravado. A cena foi ao ar. Os
presentes aplaudiram entusiasmados. O recado estava dado. Era para
Feliciano. Fernandinha é filha da Fernandona.
Retomo
Quando o cardeal Bergoglio se
ajoelhava diante de pacientes de AIDS e quando o agora papa repete o
gesto diante de presidiários, vemos a Igreja Católica a reconhecer a
plena humanidade dos que mais sofrem e dos que foram excluídos, ainda
que, no caso desse segundo grupo, na origem do mal que os aflige,
existam escolhas erradas, crimes e pecados.
Francisco nos fala, no
entanto, de um Deus que perdoa — havendo a disposição de não errar mais
—, ainda que os infratores devam acertar suas contas com as leis dos
homens.
A Igreja
abraça, nunca rechaça; convida ao perdão e ao arrependimento em vez de
condenar; acolhe em vez de excluir. Mas isso não ignifica que ela
renuncie a seus fundamentos.
É compreensível que, na era do pragmatismo
tosco, uma religião que repudie o pecado (para ficar no vocabulário
religioso), mas acolha o pecador cause certo estranhamento. Quando
Francisco lava os pés dos presidiários, não está condescendendo com seus
crimes. Tampouco está dizendo que as leis que os encarceraram são
injustas. Ele os está abrigando na condição de filhos de Deus; ele está
reconhecendo que nem o crime lhes tirou a humanidade.
Então isso
tudo nos será assim tão estranho? Acho que não! Os que somos pais
sabemos que a difícil tarefa de educar consiste em abraçar os filhos,
mas não os seus erros. O exercício do amor incondicional — e não vejo
como se possa ser pai e mãe de outro modo — repudia o erro, mas acolhe
os errados.
“Ah, mas
essa Igreja que se ajoelha é puro exercício de hipocrisia…” Será mesmo?
Os governos das nações mais ricas da Terra, os potentados empresariais,
as organizações não governamentais as mais poderosas, nem todos esses
entes reunidos conseguem fazer o trabalho social que faz a Igreja
Católica mundo afora. Se ela fosse apenas uma entidade benemerente, já
seria uma expressão formidável do humanismo.
Ocorre que ela convida
também a uma ética que transcende a sua própria obra social. E é aí que
começam os questionamentos. “Mas por que não concorda com tal coisa? Por
que censura aquela outra?”. Porque tem valores derivados daquela que
considera ser a verdade revelada. E não vai mudar.
É uma
farsa, por exemplo, essa história de que a Igreja rejeite os gays. Ela
convive com a realidade de fato. Mas não vejo como — e não há quem veja —
ela possa igualar os casamentos hétero e homossexual porque isso fere o
seu entendimento essencial de como deva se formar uma família. Não vai
acontecer. O norte da instituição continuará a ser o de sempre. Mas não
se tem notícia de que homossexuais foram expulsos de instituições
católicas ou moralmente agredidos em suas dependências.
O papa que
beija os enfermos, os transgressores, os que estão à margem atualiza a
mensagem do Cristo.
É um beijo a favor dos homens, mesmo daqueles que
não comungam de sua crença — a exemplo dos dois muçulmanos convidados a
participar da cerimônia.
Agora as atrizes
Alguns gostariam, para que pudessem ver confirmados seus próprios preconceitos, que eu saísse aqui a condenar as mulheres que andaram trocando beijos públicos para protestar contra o deputado Marco Feliciano. “Ah, olhem lá, o Reinaldo, aquele reacionário…” Mas eu não condeno, não! Se o Brasil inteiro sair se beijando — desde que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias possa fazer seu trabalho sem ser atacada por um tropa de choque —, está bom para mim. Mas também não quer dizer que eu aprove.
Alguns gostariam, para que pudessem ver confirmados seus próprios preconceitos, que eu saísse aqui a condenar as mulheres que andaram trocando beijos públicos para protestar contra o deputado Marco Feliciano. “Ah, olhem lá, o Reinaldo, aquele reacionário…” Mas eu não condeno, não! Se o Brasil inteiro sair se beijando — desde que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias possa fazer seu trabalho sem ser atacada por um tropa de choque —, está bom para mim. Mas também não quer dizer que eu aprove.
Eu quero é
ver respeitadas as instâncias da democracia e do estado de direito. Eu
torço é para que a imprensa brasileira pare de tratar desordeiros como
humanistas exemplares. E que se note: não são desordeiros porque
defendam casamento gay ou sei lá o quê, mas porque impõem a sua vontade
ao arrepio dos fundamentos democraticamente pactuados.
(...)
O que
estou dizendo, meus caros, é que os tais “beijos contra” , atenção para
isto!, como parte dos esforços para retirar Feliciano da comissão,
revelam, então, uma à primeira vista insuspeitada dimensão de
intolerância — que vem a ser o exato oposto daquilo que proclamam.
(...)
(...)
Há o beijo que inclui e aquele que pretende valer por um tapa.
Um leva ao esclarecimento; o outro, ao obscurantismo influente.
Vale ler na ÍNTEGRA.
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