Ruy Fabiano

Não estou, nem professo seu credo religioso, nem subscrevo seus métodos de cobrança do dízimo. Não pelo dízimo em si, instituído há milênios por Abraão e confirmado por Moisés para a manutenção dos serviços religiosos, que, como se sabe, têm um custo, a ser compartilhado pelos que os utilizam.
Na origem, o dízimo correspondia à décima parte dos ganhos dos fiéis. Nos termos e nas proporções em que hoje é cobrado por alguns segmentos religiosos – como o do próprio Feliciano -, equivale a uma verdadeira extorsão.
Ele, porém, não é o único a fazê-lo, nem o faz às ocultas, nem estreou agora. Se até aqui os guardiões da lei nada fizeram contra essa prática (o que é espantoso), é natural que prospere. Quantos Felicianos há por aí enriquecendo às custas dos pobres?
Entretanto, o que se vê, sobretudo no período eleitoral, é uma exaltação, por parte de candidatos e partidos, a esses personagens. O populismo político se abraça ao populismo religioso e o resultado é um desserviço – moral, econômico e espiritual – à coletividade. Desmoralizam-se os agentes políticos e religiosos, num congraçamento altamente profano e danoso.

A candidata Dilma Rousseff bateu às portas de Marcos Feliciano (e de pastores assemelhados), em 2010, para pedir-lhe apoio – a ele e a seu rebanho extorquido. E ele não hesitou em atendê-la, postando um vídeo na internet.
Como não tem o hábito de agir de graça, nem mesmo em seu ofício religioso, deduz-se que alguma contrapartida lhe foi acenada. Ei-lo, portanto, à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, no cumprimento de um acordo. E eis o PT e seus aliados, beneficiários de seu apoio nas eleições, indignados com o pagamento da promissória eleitoral que eles mesmos firmaram.
Mobilizam aparato ainda maior que o que recebeu a blogueira cubana Yoani Sánchez, dando ao pastor-deputado uma projeção que jamais teria em circunstâncias normais.
Considerando-se que o barulho em curso é desproporcional ao número de adeptos de cada parte – os evangélicos são bem mais numerosos que o cortejo militante em ação -, é provável que o deputado se reeleja ano que vem com um número bem mais expressivo de votos que os que obteve em 2010.
Feliciano está sendo acusado de racista e homofóbico. Nenhuma dessas acusações, no entanto, se sustenta. Disse, é verdade, palavras descabidas quanto ao negro, derivadas, no entanto, de uma interpretação tosca da Bíblia.
Ignorância, e não racismo, já que ele próprio descende de negros e já explicou isso dezenas de vezes, num mea culpa público. Homofóbico muito menos, pois não incitou à prática de violência ou exclusão social.
O que fez foi condenar uma prática que está na doutrina que professa, inscrita há séculos num livro – a Bíblia, no Velho e Novo Testamentos –, à venda em toda a parte e em todos os idiomas.
Considerar homofobia a condenação, do ponto de vista espiritual, de uma prática – que, diga-se, é moralmente condenada pelas três maiores religiões monoteístas do planeta, judaísmo, cristianismo e islamismo -, configura ignorância ou má fé. Ou ambas.
Se assim é, a lei brasileira, por coerência, precisa retirar de circulação não apenas a Bíblia, mas também o Alcorão. E proibir a prática dos respectivos cultos. Mais ainda: proibir a visita do Papa Francisco ao Brasil, já que, nesse aspecto – a condenação moral à prática do homossexualismo -, subscreve Feliciano.
O incontestável desvio moral e legal de Feliciano é o que menos é mencionado: sua prática extorsiva, que, acima de tudo, viola o preceito religioso do dízimo e a lei da economia popular.
Isso, porém, parece secundário. Tanto assim que a presença de dois condenados pelo Mensalão na Comissão de Constituição e Justiça da mesma Câmara – João Paulo Cunha (presidente!) e José Genoíno, ambos do PT –, não parece sensibilizar a militância, nem provocar improvisos cênicos irônicos por parte de atrizes consagradas.
Quantos dízimos extorsivos há no mensalão?
Pois é. E aí, o que é mais escandaloso: os mensaleiros, condenados pela Justiça, na Comissão... de Justiça, ou Feliciano onde está?
A lei oferece caminhos para impugnar Feliciano: o Judiciário, instituição que funda o que chamamos de civilização.
Os militantes-justiceiros, milícias do pensamento, preferem o grito, a coação física, os slogans, expedientes estranhos à democracia e, no entanto, familiares ao totalitarismo.
Leia em O pastor e a militância
Nenhum comentário:
Postar um comentário