Em Banânia, logo vão invadir a sua casa, tomar a sua cachaça e fazer cocô na sala. E você ainda terá de negociar! Ou: Como é o “Pai Nosso” de um padre de tacape?
Reinaldo Azevedo
A Justiça Federal anulou na noite desta segunda liminar da Justiça que concedia 48 horas para que índios terenas desocupassem — ou melhor: DESINVADISSEM — a fazenda Buritis, na cidade de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul. A Funai, como poder soberano que é, acima dos três outros que compõem a República, decidiu ampliar em 2010 uma reserva indígena. Do nada, lascou um laudo antropológico, e o que era uma fazenda — propriedade de uma mesma família há OITENTA E SETE ANOS — passou a ser, então, terra de índio.
Os esbulhados recorreram à Justiça e ganharam. A demarcação foi suspensa. Assim, é bom ficar claro, a fazenda Buritis é… propriedade privada. Em qualquer país do mundo, democrático ou ditatorial, basta a polícia para dar voz de prisão a invasores.
Vamos ver. Existe um Estatuto do Índio, que é de 19 de abril de 1973. Estabelece o seu Artigo 63:
“Nenhuma medida judicial será concedida liminarmente em causas que envolvam interesse de silvícolas ou do Patrimônio Indígena, sem prévia audiência da União e do órgão de proteção ao índio.”
“Nenhuma medida judicial será concedida liminarmente em causas que envolvam interesse de silvícolas ou do Patrimônio Indígena, sem prévia audiência da União e do órgão de proteção ao índio.”
Lei votada em plena ditadura arreganhada, o Estatuto, vejam aí, proíbe liminar em casos que digam respeito a “interesses de silvícolas”. Mas, além de apito, como naquela música de Carnaval, o que mais querem os índios, que já dominam 13% do território nacional? Tudo, ora essa! A fazenda Buritis é de “interesse dos silvícolas” porque, a rigor, sob certo ponto de vista, tudo é, certo? Brancos e negros não são originais destas terras…
Se o Artigo 63 for invocado pela Justiça sempre que um “silvícola” cismar que uma determinada terra pertence a seus ancestrais, estão abertas as portas para as invasões de propriedade. E, como é evidente, a rodada de conciliação já é, por natureza, hostil ao proprietário. A “união”, nesse caso, tem lado. A Funai, que fez a demarcação aloprada, tem lado. E o Ministério Público não tem sido neutro.
A partir da noite de ontem, contam-se 36 horas para que os órgãos se manifestem. Só depois desse prazo a Justiça poderá, então, conceder ou não a liminar. Esse é um aspecto da (in)cultura jurídica brasileira que tanto surpreendeu os ingleses naquela história da interdição do Maracanã.
As almas convencionais, que não têm a nossa ginga e o nosso samba-no-pé, não conseguem entender uma meia-legalidade. Mesmo aquele especioso conceito no Estatuto do Índio, da ditadura, é de deixar os anglo-saxões num buraco lógico. Quer dizer que existe uma área “de interesse dos índios” — seja lá o que isso signifique —, mas que ainda não é deles. Não sendo, é de alguém. Sendo, por que ficaria a Justiça impedida de garantir a posse?
A liminar, emitida no domingo, determinava que os índios deixassem a fazenda Buritis até quarta e estipulava multa diária de R$ 1 milhão ao governo e de R$ 250 mil à Funai, e também às lideranças indígenas, caso a ordem não fosse cumprida. Vamos ver. A Funai, com o apoio da Secretaria-Geral da Presidência, cujo titular é Gilberto Carvalho, insuflou os índios, e eles decidiram botar pra quebrar. Lembro que, na primeira operação de reintegração de posse, eles receberam a Polícia Federal a bala. Estabeleceu-se ali um novo padrão de luta, e ninguém foi — ou será — responsabilizado.
Ontem, a ministra Gleisi Hoffmann recebeu a visita do secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner. Padre gosta de índio não é de hoje. Os jesuítas queriam catequizá-los. Os de agora foram catequizados pelos índios — especialmente o Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Gleisi já anunciou que o governo vai ouvir outras áreas da administração em casos de demarcação. O bispo tem receio de que os índios sejam ignorados — como se a Funai já não falasse por eles e, de fato, já não os mobilizasse para a guerra.
Pergunto onde estava a CNBB quando a vila chamada Posto da Mata, distrito da Cidade de São Felix do Araguaia, no Mato Grosso, foi literalmente demolida pelo governo federal, deixando 4 mil cristãos aos relento. NÃO APARECEU UM SÓ HOMEM DE BATINA PARA FALAR EM DEFESA DESSES DESVALIDOS. Por que essa, digamos, fixação religiosa em índio? Existe algum padre que ainda tem a ambição de encontra Deus-Ele-Mesmo na “alma pura” dos silvícolas?
A ministra respondeu ao bispo que a Funai não será ignorada: “Nós queremos apenas ter instrução de outros órgãos para que a gente possa basear as decisões. Porque a decisão de demarcações não é uma decisão só da Funai. Ela sobe para o ministro da Justiça e para a presidenta da República. É importante que a gente tenha o procedimento claro”. É o óbvio, é o mínimo, é o bom senso.
No tempo em que padre ficava na missa, as igrejas estavam cheias, e 90% dos brasileiros eram católicos. Aí eles resolveram fazer passeata e usar tacape… As igrejas estão vazias, e o catolicismo míngua no Brasil. Não é por causa de uma coisa em particular, não é por causa de outra. É pelo conjunto da obra. A CNBB que se cala quando uma vila inteira, com 4 mil moradores, é destruída em nome da política indigenista não tem moral para fazer agora essa cobrança. A única coisa de pau numa igreja, como símbolo de humildade, deve ser o crucifixo. Espero que os bispos também voltem suas orações para os que estão tendo seus direitos esbulhados no Mato Grosso do Sul. Ou eles não merecem nem um “Pai Nosso”?
A propósito: como é o “Pai Nosso” de um padre de tacape?
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