Documento pró-Evo prova por que ele deveria ter concedido o salvo-conduto
Reinaldo Azevedo
A presidente Dilma Rousseff resolveu ontem usar a sua autoridade de ex-presa do regime militar para, indiretamente, bater boca com um diplomata e tentar esconder a verdadeira natureza do que está em debate no caso do senador boliviano Roger Pinto Molina. A governanta inaugura, assim, um novo argumento: “Cala a boca porque eu fui torturada!”.
Se ela cismar que a lei da gravidade é uma tolice, ninguém que não tenha sido torturado terá autoridade para debater com ela. De resto, há uma medida nas coisas: desde quando uma presidente da República debate com um funcionário do Itamaraty? Mas vamos ao ponto.
Eduardo Saboia, que organizou a fuga — para mim, há nesse meio mandracaria do governo Evo Morales —, concedeu uma entrevista e afirmou que não se sentia bem em trabalhar sabendo que havia um prisioneiro ao lado, como se fosse um carcereiro do Doi-Codi. Não que eu ache a imagem boa ou pertinente, mas nada para provocar o ataque de fúria da soberana. Mas ela ficou furiosa. “Eu estive no Doi-Codi e posso assegurar que a diferença é a mesma que existe entre o céu e o inferno.” As palavras mal lhe saíam da boca, tal a irritação. Quem a conhece bem sabe que, em momentos assim, seu vocabulário não encontra rival nem nos momentos mais agitados da estiva. Mas se conteve.
Molina estava na embaixada havia 15 meses, e o governo brasileiro já lhe havia concedido asilo diplomático, mas Morales se negava a lhe conceder o salvo-conduto. Ora, ora… No dia 12 de julho, os países que integram o Mercosul — e a Bolívia está em processo de adesão — assinaram um acordo que prevê: “[Os presidentes] reafirmaram a plena vigência do direito de asilo, consagrado no artigo 14 da Declaração Universal de Direitos Humanos e, portanto, reiteraram a faculdade que assiste a todo Estado soberano de outorgar asilo a qualquer cidadão do mundo em conformidade com as normas de direito internacional que regem esta matéria”.
Não obstante, o senador continuava lá, confinado na embaixada, sem prazo para sair. Sabem a piada patética? Aquele documento foi redigido justamente como um desagravo a Evo Morales, cujo avião havia sido proibido de pousar em alguns países europeus justamente porque se imaginava que pudesse estar transportando Edward Snowden. Dilma apoiou o texto, e Evo, presente ao encontro, também, é claro! Não obstante, o senador continuava lá na embaixada.
Dilma pode ter odiado a comparação. Mas ela não explica a espantosa inação do seu governo. De resto, a soberana há de convir que 15 meses no paraíso, sem contato com o mundo externo, também pode ser um inferno. Acrescento adicionalmente que ela não pode tomar o próprio sofrimento como o limite da dor, sob pena de se tornar insensível ao sofrimento alheio.
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