terça-feira, 27 de agosto de 2013

Negociações com Bolívia sobre senador eram "faz de conta", diz diplomata brasileiro

ISABEL FLECK - Folha de S.Paulo

O encarregado de negócios da embaixada brasileira em La Paz, Eduardo Saboia, que trouxe o senador boliviano Roger Pinto Molina ao Brasil sem o aval do Itamaraty, disse que as negociações entre os dois países para resolver a situação do político eram um "faz de conta".

"Tenho os e-mails das pessoas [diplomatas brasileiros] dizendo 'olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita'", disse Saboia à Folha, por telefone.

Segundo ele, diante da inação da comissão bilateral que "mal conseguia se reunir", e de uma "situação limite", ele decidiu agir sozinho.

"Eu disse [ao Itamaraty]: 'se tiver uma situação limite, eu vou ter que tomar uma decisão'. E eu tomei porque havia um risco iminente. Ele [o senador] estava com um papo de suicídio", disse o diplomata. "Era sexta-feira, estava chegando o fim de semana, quando a embaixada sempre fica mais vazia. Aí veio o advogado com o laudo médico me dizer [que ele poderia se matar] e eu disse: vou fazer agora."

Molina estava asilado há 15 meses na embaixada e não podia sair porque o governo boliviano se recusava em conceder o salvo-conduto. Ele deixou o país com o diplomata e dois fuzileiros na última sexta-feira.
*
Folha - O senhor agiu completamente sozinho? O Itamaraty não participou mesmo da sua decisão de trazer o senador?

Eduardo Saboia - O que aconteceu foi o seguinte: eu vinha avisando [o Itamaraty] da situação, que estava em franca deterioração, e que a gente tinha que pensar em contingências. Contingência seria levar ele para a residência [oficial da embaixada], para uma clínica na Bolívia, para o Brasil.

Eu vim a Brasília duas vezes para dizer: "olha, a situação está ruim, eu estou sob pressão". Eu era uma espécie de agente penitenciário. Tudo o que acontecia com o senador, eles me ligavam: "Pode entrar bebida? O senador está com dor de barriga, pode entrar um médico?" Eu vivia isso há 452 dias. Agora essas coisas se precipitaram e eu não sou médico, nem psiquiatra, mas diante de um risco iminente, uma situação limite, tomei essa decisão.
(...)



Qual era a resposta do Itamaraty?

Falavam que era questão de tempo. Daí eu perguntava da comissão [bilateral, para resolver a questão do senador], e as pessoas me diziam: "olha, aqui é empurrar com a barriga".

Ninguém me disse isso por telegrama, porque eles não são bobos. Mas eu tenho os e-mails das pessoas, dizendo "olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita".

Óbvio que isso aí abalava o senador, ele sabia disso, porque isso aí está na cara. A comissão não tinha um prazo para terminar, mal conseguiam se reunir. Era um faz de conta.

Não estavam levando a sério e a embaixada era mantida à margem disso.

(...)

O senhor disse que a sua decisão resolve uma questão política, mas não cria problemas para o chanceler Antonio Patriota?

Nada é perfeito. Eu acho que se eles entenderem isso e não quiserem me crucificar... O que eu quero é sair da Bolívia. Eu não me incomodo de levar um "pito". Eu acho que eles deveriam me agradecer. Eu não quero é levar um processo administrativo, uma coisa que vai me infernizar a vida. Eu tenho uma folha corrida de serviços prestados ao país que é grande. Trabalhei com o ministro Celso Amorim por cinco anos, trabalhei com o chanceler Patriota. Sou uma pessoa disciplinada, não estou querendo protagonismo, não sou de aparecer. Eu quero é ter paz na minha consciência. E eu acho que eu fiz a coisa certa.

O Brasil foi condescendente demais com a Bolívia nessas negociações? Deveria ter pressionado mais pelo salvo-conduto?

É muito fácil julgar os outros. Eu não estou em Brasília, eu não sei as pressões que o próprio ministro Patriota recebe, eu não quero julgar.

Entrevista completa AQUI.

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