sábado, 10 de agosto de 2013

PADRÃO NINJA

Ruy Fabiano

O jornalismo, como se sabe, vive profundo processo de transformação – tão profundo que às vezes o faz esquecer de suas técnicas mais consagradas.

O desafio da notícia em tempo real, imposto pela internet, contamina princípios e fundamentos e atropela o axioma de que a pressa é inimiga da perfeição.

A manchete da Folha de S. Paulo de quinta-feira passada, quanto a isso, é exemplar. Alçou um meio de comunicação – o e-mail – à condição de personagem da notícia: “Serra sugeriu que Siemens fizesse acordo, diz e-mail”.

Nos tempos em que aprendi o ofício, o informante não era o veículo utilizado pelo agente da notícia – o telefone, o telegrama, a caneta, o papel -, mas quem dele se valia. A fonte era sempre um ser humano, não importa por que via se manifestasse.
Jamais ninguém escreveu: “Telefone diz que etc.” – até porque quem diz é quem está ao telefone, não o próprio.

No e-mail em questão, o informante é anônimo, “um executivo da Siemens”. E o dado interessante: sua informação não se sustenta. A própria Folha o diz, ao informar no último parágrafo que “o e-mail não aponta indícios de que Serra tenha cometido irregularidades”. Mesmo assim, a não irregularidade – ou seja, a não notícia - produziu uma manchete que sugere o contrário.

Considerando-se que grande parte dos leitores atém-se às manchetes, sem percorrer os meandros do texto – sobretudo aqueles milhares de transeuntes, que leem apressadamente os jornais estampados nas bancas de revista -, passa-se a ideia de que a acusação tem consistência, mesmo não tendo.

Dada a gravidade do que está em pauta, inevitável que se cogite de má fé ou sensacionalismo. Manter o anonimato da fonte é um recurso legítimo do jornalismo, garantido pela Constituição.

Mas só o é na medida em que o repórter apure e constate a consistência do que lhe é transmitido.

Não pode simplesmente passar adiante o que recebe, sem averiguá-lo, o que o tornaria joguete de trapaceiros e oportunistas, transformando-se ele próprio num deles.

No caso Watergate, por exemplo, os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein serviram-se de fontes que se mantêm até hoje no anonimato, inclusive um certo “Garganta Profunda”, responsável pelas informações mais decisivas, que levaram à renúncia do presidente dos EUA, Richard Nixon. Nada menos.

No entanto, só publicavam essas informações depois de confirmá-las com pelo menos três fontes, tarefa em que frequentemente levavam dias e dias. Nesse ínterim, padeciam a angústia de ser furados pela concorrência. Faz parte do ofício, é regra elementar do jornalismo, da qual não abriu mão Katherine Graham, então editora-chefe do Washington Post.

Nestes tempos de imprensa Ninja, esses critérios têm sido ignorados ou mesmo ridicularizados.

Fabrica-se a notícia, dentro de uma conveniência político-ideológica que atropela os fatos, tornando espantosamente real uma antiga blague de Walter Lippman, segundo a qual “notícias e verdades não são a mesma coisa”.

É preocupante que tal prática esteja contaminando a profissão, contribuindo para seu descrédito.

As denúncias sobre fraudes em licitações no metrô paulista, contra governos do PSDB desde o final dos anos 90, são graves e têm que ser apuradas – óbvio.

O que está em pauta, porém, é que não há apuração. Passam-se adiante informações seletivamente vazadas de um processo que corre em segredo de justiça – e isso é crime -, razão pela qual a ele não têm acesso os acusados.

Não podem se defender, já que não conhecem a integralidade da acusação, e a própria imprensa, pelo mesmo motivo, não pode acusá-los com consistência, a menos que decidisse investigar por conta própria. (Não é o caso).

Diante disso, transformam-se e-mails anônimos e de conteúdo inconsistente (segundo o próprio jornal) em manchete, que se auto-desmente no último parágrafo. Gol para os Ninjas!

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