Prejuízos com erros do poder público (Editorial)
O Globo
Da extensa relação de custosas bizarrices da máquina estatal brasileira consta a despesa de R$ 1 bilhão a ser executada até o final do governo Dilma apenas com o projeto do trem-bala, de viabilidade no mínimo discutível. O gasto, já em curso, é só com estudos de viabilidade, consultorias, coisas assim. Não entra nesta fatura em trânsito rumo ao bolso do contribuinte sequer um parafuso de trem.
A extravagante revelação feita ontem pelo GLOBO é apenas um caso entre vários que refletem graves deficiências desta máquina, provas consistentes de baixa qualificação técnica, sem prejuízo de outras distorções, como as decorrentes da clássica burocratização do serviço público e de desvios éticos. Nos últimos dias, foram relatadas outras histórias, também nada eficientes, de graves e dispendiosos erros técnicos cometidos na esfera do poder público federal.
No domingo, o jornal “Valor” trouxe a revelação de que um erro no edital de construção da rede de transmissão da energia das hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, Rondônia, até o interior de São Paulo, colocou em risco a integridade das turbinas. Como o Ministério de Minas e Energia não estabeleceu qualquer especificação para os equipamentos das usinas, houve uma incompatibilidade técnica entre o sistema de transmissão e o de geração.
Por sorte, surgiu um atraso na construção de Jirau, e o prejuízo causado pelo descuido será de “apenas” R$ 100 milhões. Além do aspecto técnico do problema — turbinas poderiam ter queimado —, há dispositivos contratuais que garantem a remuneração da usina mesmo que a energia não consiga chegar ao consumidor. Não precisa ser vidente para prever que o prejuízo efetivo será maior e desembarcará no Tesouro Nacional, ou seja, na conta do contribuinte.
Também o “Valor”, em reportagem no interior da Bahia, relatou a emblemática história da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), corredor de exportação do interior a Ilhéus, incluído pelo presidente Lula no PAC, para ser inaugurada este ano.
Há pouco, Dilma cortou uma fita em Ilhéus, sem grande pompa, porque pouco havia para comemorar. Não há um metro sequer de trilho instalado nos 1.022 quilômetros da linha, cujo custo é estimado em R$ 4,3 bilhões.
Tocada pela estatal Valec — imortalizada pelas estripulias de Juquinha, José Francisco das Neves, ligado ao PR, às voltas com a Justiça —, a Fiol atolou em estudos ambientais e projetos de engenharia de má qualidade, e com isso entrou na mira do Tribunal de Contas.
Infelizmente, o trem-bala parece dar razão à ironia de Mário Henrique Simonsen de que às vezes sai mais barato pagar a comissão e não fazer a obra pública. Se o bilhão gasto no projeto parar por aí, pode vir a ser bom negócio para a sociedade.
Dos tempos de Simonsen para cá, porém, surgiu o aparelhamento do Estado por simpatias ideológicas e partidárias. Veio, então, esta enorme perda de qualidade técnica nas decisões. É possível, então, que embarquem o contribuinte na aventura do trem-bala.
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