O caso Siemens à luz de Kafka. Ou: O vídeo em que o Carvalho do Cade se mostra muito grato ao Carvalho de Lula. Ou ainda: Teoria conspiratória uma ova!
Por Reinaldo Azevedo
(...) O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), uma autarquia subordinada ao Ministério da Justiça — cujo titular é o notório José Eduardo Cardozo —, conduz uma, atenção!, “INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR” para apurar se houve uma espécie de formação de cartel, com combinação de preços, que teria resultado em prejuízos aos cofres do estado — fala-se de irregularidades em São Paulo e no Distrito Federal. Primeira dúvida: nos demais estados, a Siemens agiria de modo diferente? Por quê? E quando negocia com o governo federal? Adiante.
Ficamos sabendo que existe o chamado “Acordo de Leniência”, por meio do qual executivos da Siemens — a empresa nega que seja a fonte de informação — teriam revelado as irregularidades, sustentando que o governo de São Paulo (no caso, o de Mário Covas) teria ciência das irregularidades, compactuando com elas. Contratos renovados nos governos seguintes carregariam, então, o mal de origem. Essas informações, ou suposições, vieram a público em reportagens da Folha e do Estadão.
Notem que, obviamente, não estou aqui a negar que tenha havido safadeza. Como poderia? Não conheço o processo. Não tenho os dados em mãos. Ocorre que há uma coisa espantosa: o governo de São Paulo, o principal interessado nessa história, também não tem. Assim, o ente “governo do estado” está sendo acusado na imprensa de ter compactuado com uma tramoia, mas — e eis o dado kafkiano — não tem acesso à investigação porque, afinal de contas, ela está resguardada pelo sigilo de Justiça.
Então vamos ver se a gente consegue entender direito: jornalistas, como resta evidente, tiveram acesso a pelo menos parte da investigação que está no Cade. O principal acusado, no entanto, está a chupar o dedo. NÃO TEM COMO SE DEFENDER PORQUE NÃO SABE DIREITO DO QUE É ACUSADO. A justificativa do Cade é que o papelório está protegido por sigilo de Justiça.
(...)
Não se trata de exercitar teoria conspiratória, não! Estamos diante de uma matéria de fato. Há uma investigação preliminar no Cade; dados dessa apuração chegam à imprensa em tom acusatório — com um genérico “o governo sabia de tudo” —, mas não se sabe que “tudo” é esse, quais as pessoas envolvidas e que irregularidade foi cometida.
Pode até ser que o escândalo tenha mesmo acontecido — e, se assim foi, cadeia para a turma. No momento, o único escândalo incontroverso é esse vazamento seletivo de dados de uma investigação sem que o principal acusado consiga ter acesso aos autos. Esse é um procedimento muito comum, hoje em dia, nas ditas repúblicas bolivarianas. Chávez (e agora Nicolás Maduro), Rafael Correa e Evo Morales costumam recorrer a acusações de corrupção para se livrar de seus adversários políticos.
Falas suspeitas
Ademais, não dá para ignorar certas falas, não é? O site “Implicante” levou ao ar o vídeo que registra a solenidade de posse de Vinícius Marques de Carvalho, presidente do Cade. Prestem atenção:
Notem a sua verdadeira devoção a um outro Carvalho, o Gilberto. A proximidade é de tal sorte que, rompendo com o protocolo, trata o ministro como “você”. Trata-se, mesmo, de uma relação de profunda amizade; se os “Carvalhos” do sobrenome traduzem parentesco, isso não sei. Há quem diga que sim. Pouco importa. Por que um chefe do Cade recorre a esse tom laudatório para se referir ao “engajamento” de um ministro?
“O que você está querendo dizer com isso, Reinaldo?” Nada de muito misterioso: um órgão técnico como o Cade não poderia, parece-me, estar sujeito a esse tipo de sotaque político. Não é preciso ser um gênio da raça para que se perceba a óbvia influência de Carvalho, o Gilberto — braço operante de Lula no Planalto —, na autarquia.
Mais: o Cade pertence ao Ministério da Justiça. Dos ministros de Dilma, Cardozo tem sido o mais dedicado à tarefa de criar dificuldades para a gestão do PSDB em São Paulo. Teoria conspiratória? Não! Mais uma vez, matéria de fato. O ministro está na raiz da crise que resultou na demissão de Ferreira Pinto, ex-secretário de Segurança do estado. O ministro tentou tirar uma casquinha dos protestos em São Paulo. Escrevi vários textos a respeito.
É evidente que o vazamento obedece a um propósito político.
Sem que a investigação seja tornada pública, a coisa fica como o PT e o diabo gostam, não é mesmo? A suspeita recai genericamente sobre os “tucanos” e suas sucessivas gestões no estado. Nestes dias em que qualquer grupinho de 20 para a Paulista, o objetivo é fornecer combustível aos protestos de rua em São Paulo. E justamente na área que está a origem das mobilizações de rua: transporte público.
Concluo
A turma não brinca em serviço. E olhem que o jogo mal começou.
Íntegra AQUI.
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