‘A mídia de Maduro’, editorial do Estadão
Publicado no Estadão
Quando a escassez de papel higiênico na Venezuela deixou de ser motivo de piada e tornou-se símbolo da falência do regime bolivariano, os sequazes do presidente Nicolás Maduro imediatamente acusaram a “mídia golpista” de inventar a crise. Nenhuma surpresa: o caudilho Chávez via a imprensa como inimiga de sua “revolução”, por expor suas mentiras e contradições.
Em razão disso, o regime, que já controla todas as instituições do Estado, empenha-se em dominar também a comunicação.
Para isso, além de intimidar jornalistas e empresários do setor, vem investindo na ampliação da rede de meios oficiais para difundir a doutrina bolivariana, noite e dia.
Um estudo de dois especialistas venezuelanos em comunicação, Marcelino Bisbal e Andrés Cañizales, mostra que o governo dispõe atualmente de oito emissoras de TV, contra quatro em mãos privadas. Um desses canais privados, a Globovisión, sofreu pressões judiciais durante anos e acabou vendido a empresários alinhados ao chavismo. O resultado disso não tardou: diversos jornalistas deixaram a emissora depois que a programação foi alterada para não confrontar o regime.
Já o canal estatal VTV (Venezolana de Televisión) veicula mensagens institucionais que atacam explicitamente os opositores de Maduro, qualificando-os de “traidores”. Além disso, existem mais 36 emissoras de TV comunitárias, naturalmente dependentes de dinheiro público, além de 250 emissoras de rádio com o mesmo perfil. Metade do espectro das rádios FM de Caracas transmite o interminável programa oficial “Alô, Presidente”, que ficou famoso na voz de Chávez. A mensagem “Chávez vive, a pátria segue” é repetida ao menos cem vezes por dia.
Como se toda essa cobertura não bastasse, Maduro ainda anunciou a concessão de uma TV para a Força Armada Bolivariana e a criação da TV Comunas, dirigida pelas comunas socialistas, organização que é o esteio do chavismo.
O presidente venezuelano, ademais, imita seu falecido padrinho e convoca constantes cadeias de rádio e TV para seus pronunciamentos. Neste ano, já foram 86 horas de discursos, numa média de 32 minutos por dia. Ainda está longe das até seis horas diárias de exposição de que desfrutava Chávez, mas não porque o espaço dado a Maduro seja escasso, e sim porque lhe falta verborragia.
Na mídia impressa, Maduro controla 120 jornais comunitários regionais e 3 de alcance nacional, que são distribuídos de graça. Além disso, o governo vem procurando sufocar os jornais regionais independentes.
Uma das estratégias tem sido dificultar a importação de papel-jornal, o que atinge em cheio as publicações menores. Em um dos casos, o jornalVersión Final, de Maracaibo, teve de interromper sua circulação por várias semanas. Foi o bastante para fragilizar o periódico a tal ponto que a solução encontrada por seu dono foi vendê-lo a um empresário ligado aos chavistas. A publicação mudou de nome, para Correo del Lago, trocou a equipe de jornalistas e passou a apoiar francamente o governo.
A tudo isso se soma a já conhecida pressão do Estado contra todos os veículos que ainda ousam fazer jornalismo independente. Por meio de processos judiciais viciados, empresas e jornalistas são intimidados até que a única alternativa que reste à falência seja o alinhamento ao regime.
Na lógica chavista, é justo que Maduro disponha de amplo espaço midiático, muito maior do que o da imprensa independente. “Os donos dos meios burgueses não foram eleitos pelo povo”, explicou Alberto Aranguibel, acadêmico chavista, ao jornal El Nacional. Para ele, Maduro, “por ter sido eleito pela maioria”, é quem deve “escolher os temas para discussão”.
O grande tema proposto por Maduro no momento é o do combate à corrupção, em nome do qual ele busca poderes “especiais”. Nesse caso, o controle da mídia é essencial, porque somente a imprensa livre é capaz de mostrar que a maior fonte de corrupção na Venezuela é o próprio governo.
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