Por Reinaldo Azevedo
Leio em reportagem no Globo Online que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz não se intimidar com o que chama de “pressão” do PSDB. Ora, por que ele se intimidaria se está no comando da festa? Vamos botar um pouco de ordem na bagunça que Cardozo, o PT e Vinicius Carvalho, o petista que chefia o Cade, estão fazendo. Há duas questões essenciais de saída:
a: a investigação – houve ou não formação de cartel na compra de trens para o metrô e a CPTM? Que se investigue. Tendo havido, que os responsáveis sejam punidos, seja lá em que esfera for.
b: a operação política – o que deveria ser uma investigação séria, imparcial, transformou-se numa operação própria de um estado policial, coisa que o Brasil, por enquanto, não é.
Então vamos lá. Há três “documentos” (ou que nome tenham) nesse imbróglio, todos sem assinatura.
1) uma carta de 2008, em inglês, endereçada por alguém — e se sabe que o autor é Everton Rheinheimer, ex-diretor da empresa — ao ombudsman da Siemens denunciando que a empresa participava de acertos em licitações;
2) uma versão em português dessa carta, que circulou em 2009, mas com acréscimos, que acusava políticos do PSDB.
3) um terceiro relatório — e se tem como certo que seja Rheinheimer— que reitera as denúncias e acusa outras figuras do PSDB.
O busílis da questão
Acompanhem:
- data do terceiro documento: 17/4/2013;
- data do acordo de leniência com o Cade: 22/5/2013 (em absoluto sigilo, então);
- data do ofício do delegado federal Bráulio Galloni, encaminhando o documento ao Superintendente da PF em SP: 11/6/2013;
- data das buscas realizadas pelo Cade, quando ficou conhecida a existência do acordo de leniência: 4/7/2013.
Por que isso é importante? Já vamos saber.
José Eduardo Cardozo decidiu assumir, conforme foi publicado pela VEJA.com, que foi ele quem remeteu o papelório todo à Polícia Federal para que fosse anexado ao inquérito. Como escrevi aqui, isso pode ser verdade e mentira ao mesmo tempo. Sim, leitor, em matéria de petismo, é plenamente possível. Ou por outra: que ele tenha acompanhado cada passo dessa operação, não tenho a menor dúvida. Que o Cade não tenha nada com isso, aí é outra história.
O terceiro documento, o de 17 de abril, é aquele em que Everton Rheinheimer admite que, “com a ajuda de Simão Pedro, encontrou-se duas vezes com o presidente do Cade, Vinícius Carvalho, para orientá-lo sobre aspectos importantes do acordo de leniência a ser assinado entre o órgão e a Siemens”. Nesse mesmo documento, o sujeito diz contar com a proteção do PT (que ele chama “o partido”, com intimidade) e ainda expressa a esperança de arrumar um emprego na Vale. A empresa tem gestão privada, mas o governo é um dos sócios, como se sabe, além dos fundos de pensão, ligados ao PT. De todo modo, note-se: o emprego não foi dado.
Atenção! Esse terceiro documento, também sem assinatura, deixa claro que o Cade ORGANIZOU a denúncia, que houve uma combinação prévia. É absolutamente ilegal uma condução dessa natureza. Esse documento, diga-se, deveria servir para abrir uma investigação sobre a forma como se deu o acordo de leniência — que, conforme resta claro, passou a ser outra coisa. Esse terceiro documento evidencia, em suma, que se trata de uma ação PARTIDÁRIA.
Os termos do acordo de leniência são desconhecidos. De toda sorte, sabe-se que a “apuração” do Cade se limita a São Paulo e ao Distrito Federal, quando governado pelo DEM. A Siemens tem contratos Brasil afora, na esfera dos estados e, sobretudo, é uma grande fornecedora de estatais federais. Com que então, nesses outros casos, tudo transcorria com a seriedade dos conventos?… Tenham paciência! Que tipo de acordo o tal executivo negociou com Carvalho?
De volta às datas
Se, em 11 de junho, o delegado Bráulio encaminha o documento (aquele que tem até pedido de emprego) à Superintendência da PF e diz tê-lo recebido do Cade, é difícil de acreditar que tenha havido aí um engano, como agora se alega. Afinal, o procedimento de busca e apreensão é de 4 de julho — como era sigiloso e nem tinha acontecido, o delegado não tinha como adivinhá-lo, não é mesmo?
Notem: que o documento saiu do Cade para a Superintendência da PF, isso parece óbvio. Que Carvalho e Cardozo soubessem de tudo, também parece óbvio. Assim, é ao menos parcialmente verdadeira a confissão do ministro. Ocorre que a minha hipótese é que o ministro esteja lavando a traficância. Por quê? Caso fique caracterizado que o Cade, ALÉM DE COMBINAR PREVIAMENTE OS TERMOS DO ACORDO DE LENIÊNCIA, ainda encaminhou o papelório à PF, aí fica caracterizado que um órgão do estado está mesmo sendo usado como instrumento de luta política.
Cardozo resolve matar a bola no peito e admitir a responsabilidade justamente para falar o que está falando agora: teria apenas cumprido a sua função ao encaminhar a denúncia à PF. Assim, aquilo que tem todo jeito de tramoia político-partidária acaba parecendo muito natural.
Desde o começo
Eu não sei se houve cartel ou não, se autoridades estavam envolvidas ou não. O que sei é que uma investigação não pode ser conduzida como se fosse uma conspiração. E é o que se tem. Desde quando essa história veio a público, o Cade funcionou como uma central de vazamentos de informações contra o governo de São Paulo, que ficava sabendo deste ou daquele aspectos da investigação por intermédio da imprensa.
Nas democracias, investiga-se o que tem de ser investigado, doa a quem doer. Os tucanos não podem reivindicar a condição de quem está acima de qualquer apuração — e, diga-se, não estão fazendo isso. Mas seria estúpido se calar quando é claro que um órgão de estado — o Cade — está sendo instrumentalizado em favor da luta político-partidária. O PARTIDO, DIGA-SE, DEMOROU A REAGIR. É UM DOS SEUS DEFEITOS.
O terceiro documento, reitero, em que há a confissão de que o Cade foi mais do que um simples órgão do estado empenhado na apuração das denúncias, deveria bastar para pôr na rua o senhor Vinícius Carvalho, sem contar as suas óbvias ligações com Simão Pedro, que está na raiz da denúncia e volta à cena para dizer que foi ele quem entregou o papelório a Cardozo.
Há larápios? Cana neles! O que é inaceitável é que Cade e ministro da Justiça apareçam como protagonistas do que vai assumindo as características de dossiê — mais um dos dossiês a que se dedicam os petistas em períodos pré-eleitorais. Isso corresponde a usar o estado contra adversários políticos, o que viola as regras da democracia.
A investigação de irregularidades e a persecução penal de culpados têm de se dar nos marcos da democracia e do estado de direito; não podem servir para encobrir a ação de lobos disfarçados de cordeiros.