Ruy Fabiano
Imagine-se que o próximo Congresso (neste não há mais tempo) empreenda, enfim, a reforma política profunda que tantos pregam há tantos anos, em busca de moralizar essa atividade que Aristóteles via como inseparável da ética e Platão-Sócrates como a mais nobre atividade humana.
Embora não se saiba exatamente de que constaria, continuemos a imaginar, já que, segundo Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”.
Implanta-se a democracia nos partidos, abolindo-se a figura do cacique; estabelece-se o voto distrital (puro ou misto); extinguem-se as suspeitas urnas eletrônicas; proíbe-se a difamação do candidato concorrente; regulariza-se o financiamento de campanha, com uma fórmula que iniba o caixa dois etc.
Citei aleatoriamente alguns pontos. Há outros. Inclua-os o leitor. Permanece a dúvida: mudaria muita coisa?
A corrupção eleitoral, fonte, segundo disse Dom Pedro II, numa reunião ministerial em 1870 (143 anos atrás!), “de todos os nossos males”, acabaria?
Considerando-se que a corrupção está no ser humano, que, mais que um delito, é uma cultura, a resposta é obviamente negativa. Alguma brecha surgiria, a ensejar novos pleitos por nova reforma, numa escala infinita, que acabaria por disseminar mais descrédito, a alimentar novas ilusões tirânicas.
Se a lei fosse suficiente para abolir o delito, viveríamos no melhor dos mundos. O cidadão que aceita pagar menos por uma consulta médica se dispensar o recibo – crime contra o fisco - é o mesmo que blasfema contra a política e os políticos.
Quando está no limite de sua paciência, chega a ir às ruas com cartazes, mas não reclama a nota fiscal no posto de gasolina, pois sabe que o frentista, instruído para não oferecê-la, demorará a providenciá-la, com visível má vontade. Idem nos restaurantes.
Ultrapassa os sinais vermelhos de trânsito e a velocidade máxima permitida quando longe dos pardais e, se flagrado, não hesita em dar um agrado ao guarda para poupá-lo. São delitos cotidianos, que nem mais são vistos como tais, de tal forma estão arraigados na cultura nacional.
Quando em férias num país do primeiro mundo, não ousa jogar papel no chão, mas aqui nem lhe passa pela cabeça procurar uma lixeira. Resultado: não obstante sermos a sexta ou sétima economia do mundo, figuramos como lanterninhas em qualidade de vida e educação. E ostentamos um índice de criminalidade (50 mil assassinatos por ano há mais de uma década!) de guerra civil.
Nossos artistas vociferam contra a censura, mas, na hora de dar o exemplo, pedem proibição das biografias não autorizadas, em nome da privacidade. E apoiam a ação de criminosos black blocks, em passeatas com fins aparentemente pacíficos. Querem democracia, mas apontam Cuba como modelo de regime a ser seguido. Demência ou má fé? Provavelmente, ambas.
A candidata Marina Silva repete em tom monocórdico que é preciso “uma nova política”. Não diz qual, nem por quê, nem muito menos como. Sua prática, porém, não difere da dos demais. Não conseguindo fundar um partido, o Rede de Sustentabilidade, xinga a lei que não conseguiu cumprir e os juízes que a aplicaram.
Em seguida, entra em outro partido, o PSB, cujo programa difere em pontos cruciais de seu discurso (desenvolvimentismo x ambientalismo) na expectativa de encontrar um jeitinho de se candidatar. Marina condena o termo “desenvolvimentismo”, slogan de seu agora parceiro Eduardo Campos. Este, por sua vez, vê na chegada de Marina a possibilidade de crescer nas pesquisas.
Ambos querem a mesma coisa – disputar a Presidência da República – e sabem que não há acordo possível, quanto a isso. Fingem cordialidade, mas, nos bastidores, seus aliados sabotam-se reciprocamente. Aristóteles, seguramente, reveria seu conceito de ética e política diante de tal quadro.
Não é que ele estivesse errado, ou muito menos o Sócrates de Platão. Política é, de fato, uma atividade nobre, que substitui a guerra na resolução de conflitos, inerentes à natureza humana. Mas a política como trapaça organizada, a que Maquiavel concebeu, é um retrocesso civilizatório. E, quanto a isso, não há reforma que dê jeito. A política brasileira está de quatro. E não voltará à postura bípede enquanto discurso e prática dos políticos (e da sociedade) não convergirem.
É tarefa para mais de uma geração, e nem começou ainda. Ao contrário, nesta era dos black blocks, regrediu. A reforma, no máximo, pode inaugurar mais uma chance – e olhe lá. Enquanto isso, continuaremos a votar não no melhor, mas no menos ameaçador candidato – que, aliás, não se sabe ainda qual é.
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