Não há quem ignore a situação abjeta, ilegal mesmo, dos presídios brasileiros. Não há, nem houve, ao longo da História, ao menos uma autoridade de cada um dos três Poderes que já não se tenha manifestado, em termos candentes, contra tal barbárie.
E, no entanto, ninguém jamais fez ou faz nada para mudá-la. Eis um dos cenários mais estáveis do país, desde a Colônia; um estado continuado de ilegalidade, que vez ou outra vem à tona, escandaliza a todos, sem que sua situação se altere.
Quem já não assistiu no Jornal Nacional a cenas de uma rebelião de presos ou a uma reportagem do Globo Repórter sobre os nossos presídios? Ou ao filme Carandiru, que reporta as barbáries que resultaram na morte de 111 presos desarmados, numa rebelião sufocada pela Polícia Militar?
Há uns 30 anos, como repórter no Congresso Nacional, assisti a uma palestra do então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, criminalista respeitado, em que descrevia a situação dos presídios brasileiros (que chamava de “sucursais do inferno”) e propunha diversas mudanças, para torná-los ao menos purgatórios.
Cardozo, Ministro da Justiça. Foto: Leonardo Soares / AE
Antes, no início de minha carreira, no Rio de Janeiro, nos anos 70, tive a oportunidade, como repórter de polícia, de conhecer algumas prisões e penitenciárias cariocas. Tive então o mesmo horror que, recentemente, levou o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, a declarar que preferia se matar a cumprir pena num presídio brasileiro. A diferença é que não estava, como não está, em minhas mãos qualquer possibilidade de nela influir.
Já Cardozo é titular da pasta que cuida (ou por outra, deveria cuidar) do setor.
Da mesma forma, o ministro Marco Aurélio, que já presidiu o Supremo Tribunal Federal e continua na ativa, mas que prefere, com a maior naturalidade, declarar que compreende as razões da fuga de Henrique Pizzolatto, “tendo em vista as condições das prisões brasileiras”. Viva o fujão!
Ou seja, todos sabem que se trata de um inferno, instância desumana e repugnante, mantida pelo Estado, e que levou o advogado Sobral Pinto, nos anos 30 do século passado, a invocar a lei de proteção aos animais para defender seu cliente Luiz Carlos Prestes.
A pergunta simples – e inevitável – é: por que então ninguém faz nada? Entra governo, sai governo e o mal prossegue. A resposta, em vista do auê que provoca a prisão dos petistas do Mensalão, parece também simples: prisão, no Brasil, não foi feita para ricos ou remediados. Foi feita para o povo, entidade abstrata, que só comparece no discurso da classe dirigente como figura de linguagem ou na hora de pedir votos.
As sucessivas visitas, fora do horário determinado, aos petistas presos – e só a eles, não extensivas a seus colegas de Mensalão -, configuram um escândalo do tamanho do crime que cometeram. As imagens de familiares dos demais presos, na fila, aguardando horas e horas o acesso à visitação, formavam contraste chocante com a turba de parlamentares que furavam a fila, indignados com a condenação de seus correligionários.
A comoção com o estado de saúde de José Genoíno, ainda que justificada, evidencia a desigualdade de tratamento entre pessoas influentes e o preso comum, não esquecendo que tanto Genoíno quanto seus colegas de sentença são presos comuns.
Quantos, porém, têm direito à visitação médica e a ter seus pleitos de consideração a seu estado de saúde examinados pelo presidente da Suprema Corte? O que não falta nas cadeias é gente nas mesmas condições de Genoíno, mas cuja vida não vale um centavo. José Dirceu queixou-se da água fria. Deve ter provocado em José Eduardo Cardozo frêmitos de piedade.
O próprio governador de Brasília, Agnelo Queiroz, integrou uma das comitivas à Papuda, local que jamais constou de suas preocupações administrativas. Talvez tenha sido a única vez na História em que um governador, no exercício do mandato, visitou um preso – e não um preso qualquer, mas um acusado de lesar o próprio Estado, que ele, governador, personificava.
A maledicência dos oposicionistas sugeriu que Agnelo na verdade ali estava para conferir a qualidade do lugar de que, até aqui, tem escapado de ter com o residência. Mas, claro, é coisa da oposição. Voltemos. É possível que a presença de gente de outro calibre a essas instituições, como inquilinos, leve o Estado a, enfim, melhorá-las. Enquanto estabelecimento restrito aos três famosos “pês” (preto, pobre e puta), não haveria chance.
Eis aí denso material sociológico para inúmeras teses acadêmicas sobre a natureza cordial do brasileiro, país em que são assassinados por ano mais de 50 mil pessoas, sem que tal tema produza um único discurso parlamentar, uma única lágrima do ministro da Justiça, uma única ação do governo. É patético.
A pergunta simples – e inevitável – é: por que então ninguém faz nada? Entra governo, sai governo e o mal prossegue. A resposta, em vista do auê que provoca a prisão dos petistas do Mensalão, parece também simples: prisão, no Brasil, não foi feita para ricos ou remediados. Foi feita para o povo, entidade abstrata, que só comparece no discurso da classe dirigente como figura de linguagem ou na hora de pedir votos.
As sucessivas visitas, fora do horário determinado, aos petistas presos – e só a eles, não extensivas a seus colegas de Mensalão -, configuram um escândalo do tamanho do crime que cometeram. As imagens de familiares dos demais presos, na fila, aguardando horas e horas o acesso à visitação, formavam contraste chocante com a turba de parlamentares que furavam a fila, indignados com a condenação de seus correligionários.
A comoção com o estado de saúde de José Genoíno, ainda que justificada, evidencia a desigualdade de tratamento entre pessoas influentes e o preso comum, não esquecendo que tanto Genoíno quanto seus colegas de sentença são presos comuns.
Quantos, porém, têm direito à visitação médica e a ter seus pleitos de consideração a seu estado de saúde examinados pelo presidente da Suprema Corte? O que não falta nas cadeias é gente nas mesmas condições de Genoíno, mas cuja vida não vale um centavo. José Dirceu queixou-se da água fria. Deve ter provocado em José Eduardo Cardozo frêmitos de piedade.
O próprio governador de Brasília, Agnelo Queiroz, integrou uma das comitivas à Papuda, local que jamais constou de suas preocupações administrativas. Talvez tenha sido a única vez na História em que um governador, no exercício do mandato, visitou um preso – e não um preso qualquer, mas um acusado de lesar o próprio Estado, que ele, governador, personificava.
A maledicência dos oposicionistas sugeriu que Agnelo na verdade ali estava para conferir a qualidade do lugar de que, até aqui, tem escapado de ter com o residência. Mas, claro, é coisa da oposição. Voltemos. É possível que a presença de gente de outro calibre a essas instituições, como inquilinos, leve o Estado a, enfim, melhorá-las. Enquanto estabelecimento restrito aos três famosos “pês” (preto, pobre e puta), não haveria chance.
Eis aí denso material sociológico para inúmeras teses acadêmicas sobre a natureza cordial do brasileiro, país em que são assassinados por ano mais de 50 mil pessoas, sem que tal tema produza um único discurso parlamentar, uma única lágrima do ministro da Justiça, uma única ação do governo. É patético.
Leia em Sucursais do inferno
Nenhum comentário:
Postar um comentário