Josias de Souza
O vídeo acima exibe pronunciamento de Dilma Rousseff levado ao ar em 23 de janeiro de 2013. Em cadeia nacional de rádio e tevê, ela anunciou “uma forte redução na conta de luz de todos os brasileiros”. E despejou sobre o tapete da sala dos telespectadores uma mensagem de otimismo e confiança: “As perspectivas são as melhores possíveis.”
Vale a pena ouvir novamente essa Dilma de um ano atrás: “O Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata, significa que o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o futuro, sem nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo.”
Nos últimos dias, o feitiço do populismo energético virou-se contra a feiticeira. Deus, como se sabe, é brasileiro. Mas quem acorda cedo para acender as caldeiras do mundo é São Pedro. E ele resolveu transformar o Brasil numa espécie de sauna seca. A falta de chuvas esvazia os reservatórios das hidrelétricas. O calor eleva o consumo de energia. Com o estímulo de Dilma, essa elevação bate recordes.
Na segunda-feira da semana passada (3), o ministro Edson Lobão veio à boca do palco para tranquilizar a clientela: “Posso dizer que a situação hoje é muito melhor do que foi o ano passado. Nós estamos com mais de 40% dos principais reservatórios. Não enxergamos nenhum risco de desabastecimento de energia no país. Nenhum risco. Risco zero.”
No dia seguinte, um apagão desligou da tomada o Distrito Federal e mais 13 Estados. Além dos apagões, proliferam os “apaguinhos“.
Nas últimas 48 horas, o discurso do governo migrou do “risco zero” para o veja bem… “Não existe [risco] zero quando você trata de probabilidade e nem nunca se projetou um sistema para ser zero”, disse Márcio Zimmermman, o número dois da pasta de Minas e Energia, ao chegar para uma solenidade na Agência Nacional Energia nesta sexta-feira (14).
Presente à mesma solenidade, Lobão dessa vez falou sobre a solidez do sistema elétrico como quem dirige aos céus uma prece. “Desabastecimento é o que esperamos que jamais ocorra. Essa é minha crença, é a minha fé.” Quanto ao apagão da semana passada, ele contornou o problema chamando papagaio de meu loro. “Aquilo que houve não chamo de apagão. Isso é um neologismo. Eu chamo de interrupção temporária de energia.”
Na quinta-feira (12), o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que funciona na pasta de Lobão, já havia escorado suas previsões nos humores de São Pedro. Em avaliação escrita, o órgão sustentara que está garantido o provimento da energia necessária para iluminar 2014. Mas, pela primeira vez, admitiu que há uma “baixíssima” probabilidade de faltar luz caso “ocorra uma série de vazões pior do que as já registradas.” No português do asfalto: se não chover bastante, babau.
Naquele pronunciamento de janeiro do ano passado, Dilma jactara-se: “Somos agora um dos poucos países que está, ao mesmo tempo, baixando o custo da energia e aumentando sua produção elétrica.” Ela enfileirou índices róseos:
“…A conta de luz, neste ano de 2013, vai baixar 18% para o consumidor doméstico e até 32% para a indústria, a agricultura, o comércio e serviços. Ao mesmo tempo, com a entrada em operação de novas usinas e linhas de transmissão, vamos aumentar em mais de 7% nossa produção de energia, e ela irá crescer ainda mais nos próximos anos.”
Os fatos atrapalharam o discurso. Em dezembro de 2013, 62% das obras destinadas a elevar a geração de energia estavam com atraso médio de 250 dias. Apenas 29% das obras da área de transmissão de energia estavam com o cronograma em dia. Das subestações em construção, só 26% encontravam-se dentro do prazo.
Agora, Lobão avisa que a rapadura de que falava Dilma é doce, mas é dura: “Se tivermos que ter uma sobra de energia elétrica para garantir uma segurança ainda maior do que temos hoje, e a que temos hoje é grande, é sólida, teremos que pagar por isso. Se 126 megawatts nos bastam hoje, uma segurança maior seria termos 130, 150, 200. Quanto custaria isto? A quem? Ao consumidor. À sociedade brasileira.”
Não tem mistério. Mal comparando, o país funciona como um prédio hipertrofiado. Na pele de síndica, Dilma estimulou os condôminos a desperdiçarem luz elétrica e ainda prometeu baixar a taxa de administração do prédio. Agora, a oito meses da assembleia em que os moradores decidirão se vale a pena reelegê-la, a síndica não tem coragem de regular o interruptor.
As distribuidoras que eletrificam o grande prédio Brasil compravam energia nos leilões do governo. Com a explosão do consumo, viram-se compelidas a recorrer ao mercado livre, que vende energia térmica —mais suja e mais cara. O preço deu um salto: o megawatt/hora custava menos de R$ 250 no início do ano. Na semana passada, era vendido a R$ 822.
Em condições normais, a diferença seria repassada à conta de luz. Como a palavra da síndica não pode ser quebrada antes da assembleia em que ela pleiteará a reeleição, abre-se um buraco na escrituração das distribuidoras de energia. Para tapar o rombo, o prédio entra, por assim dizer, no cheque especial.
No ano passado, o Tesouro Nacional repassou às distribuidoras de energia a bagatela de R$ 7,8 bilhões. Para esse ano, reservaram-se mais R$ 9 bilhões. Descobriu-se que é pouco. A estimava atual é de que a conta pode passar dos R$ 20 bilhões. A síndica determinou a Guido Mantega, o contador do prédio, que se vire para cobrir o rombo sem mexer na conta de luz.
Na próxima quinta-feira (20), Mantega precisa divulgar para todo o condomínio a previsão de superávit fiscal, que é a economia que o prédio faz para amortizar pelo menos os juros de sua dívida. No ano passado, essa economia foi mixuruca: 1,9% do PIB. O contador precisa produzir uma meta de superávit maior. Um desafio que o buraco energético torna mais difícil de atingir.
Ao ler o pronunciamento do ano passado, Dilma equilibrava sobre o nariz um par de óculos invisíveis, com lentes cor-de-rosa: “Estamos vendo como erraram os que diziam, meses atrás, que não iríamos conseguir baixar os juros nem o custo da energia, e que tentavam amedrontar nosso povo…Os juros caíram como nunca.”
Hoje, os juros voltaram aos dois dígitos. E a mágica da conta de luz é desfeita nos desembolsos do Tesouro. Cedo ou tarde, a tarifa vai ter que subir. Não sobe agora porque provocaria sobressaltos instantâneos nos índices de inflação. E a síndica não pode irritar os moradores do prédio antes da assembleia geral de outubro.
A situação atual é a seguinte: metade dos condôminos está nervosa porque a síndica diz que o sistema elétrico do prédio está sob controle mas sabe que ela está mentindo e que o edifício estaria às escuras se o PIB não fosse ridículo e a indústria não definhasse. A outra metade está nervosa porque a síndica diz que está tudo sob controle e sabe que ela acredita mesmo nessa lorota. E a síndica está nervosa porque não sabe se faz diz que tem um 'Plano B' que não fez ou se faz o 'Plano B' e não diz. E vice-versa.
Diante de um quadro como esse não resta senão acender uma vela para São Pedro e rezar para que ele acorde de bom humor, mande apagar o Sol e derrame uma boa quantidade de chuva.
Nas últimas 48 horas, o discurso do governo migrou do “risco zero” para o veja bem… “Não existe [risco] zero quando você trata de probabilidade e nem nunca se projetou um sistema para ser zero”, disse Márcio Zimmermman, o número dois da pasta de Minas e Energia, ao chegar para uma solenidade na Agência Nacional Energia nesta sexta-feira (14).
Presente à mesma solenidade, Lobão dessa vez falou sobre a solidez do sistema elétrico como quem dirige aos céus uma prece. “Desabastecimento é o que esperamos que jamais ocorra. Essa é minha crença, é a minha fé.” Quanto ao apagão da semana passada, ele contornou o problema chamando papagaio de meu loro. “Aquilo que houve não chamo de apagão. Isso é um neologismo. Eu chamo de interrupção temporária de energia.”
Na quinta-feira (12), o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que funciona na pasta de Lobão, já havia escorado suas previsões nos humores de São Pedro. Em avaliação escrita, o órgão sustentara que está garantido o provimento da energia necessária para iluminar 2014. Mas, pela primeira vez, admitiu que há uma “baixíssima” probabilidade de faltar luz caso “ocorra uma série de vazões pior do que as já registradas.” No português do asfalto: se não chover bastante, babau.
Naquele pronunciamento de janeiro do ano passado, Dilma jactara-se: “Somos agora um dos poucos países que está, ao mesmo tempo, baixando o custo da energia e aumentando sua produção elétrica.” Ela enfileirou índices róseos:
“…A conta de luz, neste ano de 2013, vai baixar 18% para o consumidor doméstico e até 32% para a indústria, a agricultura, o comércio e serviços. Ao mesmo tempo, com a entrada em operação de novas usinas e linhas de transmissão, vamos aumentar em mais de 7% nossa produção de energia, e ela irá crescer ainda mais nos próximos anos.”
Os fatos atrapalharam o discurso. Em dezembro de 2013, 62% das obras destinadas a elevar a geração de energia estavam com atraso médio de 250 dias. Apenas 29% das obras da área de transmissão de energia estavam com o cronograma em dia. Das subestações em construção, só 26% encontravam-se dentro do prazo.
Agora, Lobão avisa que a rapadura de que falava Dilma é doce, mas é dura: “Se tivermos que ter uma sobra de energia elétrica para garantir uma segurança ainda maior do que temos hoje, e a que temos hoje é grande, é sólida, teremos que pagar por isso. Se 126 megawatts nos bastam hoje, uma segurança maior seria termos 130, 150, 200. Quanto custaria isto? A quem? Ao consumidor. À sociedade brasileira.”
Não tem mistério. Mal comparando, o país funciona como um prédio hipertrofiado. Na pele de síndica, Dilma estimulou os condôminos a desperdiçarem luz elétrica e ainda prometeu baixar a taxa de administração do prédio. Agora, a oito meses da assembleia em que os moradores decidirão se vale a pena reelegê-la, a síndica não tem coragem de regular o interruptor.
As distribuidoras que eletrificam o grande prédio Brasil compravam energia nos leilões do governo. Com a explosão do consumo, viram-se compelidas a recorrer ao mercado livre, que vende energia térmica —mais suja e mais cara. O preço deu um salto: o megawatt/hora custava menos de R$ 250 no início do ano. Na semana passada, era vendido a R$ 822.
Em condições normais, a diferença seria repassada à conta de luz. Como a palavra da síndica não pode ser quebrada antes da assembleia em que ela pleiteará a reeleição, abre-se um buraco na escrituração das distribuidoras de energia. Para tapar o rombo, o prédio entra, por assim dizer, no cheque especial.
No ano passado, o Tesouro Nacional repassou às distribuidoras de energia a bagatela de R$ 7,8 bilhões. Para esse ano, reservaram-se mais R$ 9 bilhões. Descobriu-se que é pouco. A estimava atual é de que a conta pode passar dos R$ 20 bilhões. A síndica determinou a Guido Mantega, o contador do prédio, que se vire para cobrir o rombo sem mexer na conta de luz.
Na próxima quinta-feira (20), Mantega precisa divulgar para todo o condomínio a previsão de superávit fiscal, que é a economia que o prédio faz para amortizar pelo menos os juros de sua dívida. No ano passado, essa economia foi mixuruca: 1,9% do PIB. O contador precisa produzir uma meta de superávit maior. Um desafio que o buraco energético torna mais difícil de atingir.
Ao ler o pronunciamento do ano passado, Dilma equilibrava sobre o nariz um par de óculos invisíveis, com lentes cor-de-rosa: “Estamos vendo como erraram os que diziam, meses atrás, que não iríamos conseguir baixar os juros nem o custo da energia, e que tentavam amedrontar nosso povo…Os juros caíram como nunca.”
Hoje, os juros voltaram aos dois dígitos. E a mágica da conta de luz é desfeita nos desembolsos do Tesouro. Cedo ou tarde, a tarifa vai ter que subir. Não sobe agora porque provocaria sobressaltos instantâneos nos índices de inflação. E a síndica não pode irritar os moradores do prédio antes da assembleia geral de outubro.
A situação atual é a seguinte: metade dos condôminos está nervosa porque a síndica diz que o sistema elétrico do prédio está sob controle mas sabe que ela está mentindo e que o edifício estaria às escuras se o PIB não fosse ridículo e a indústria não definhasse. A outra metade está nervosa porque a síndica diz que está tudo sob controle e sabe que ela acredita mesmo nessa lorota. E a síndica está nervosa porque não sabe se faz diz que tem um 'Plano B' que não fez ou se faz o 'Plano B' e não diz. E vice-versa.
Diante de um quadro como esse não resta senão acender uma vela para São Pedro e rezar para que ele acorde de bom humor, mande apagar o Sol e derrame uma boa quantidade de chuva.
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