Para quem acompanha em sobressalto o agravamento do conflito na Ucrânia e seus sombrios desdobramentos geopolítico-militares, um consolo: poderia ser pior. Até 1991, quando se tornou independente da União Soviética, a Ucrânia tinha estocado em seu território o terceiro maior arsenal nuclear do mundo.
Muitas dessas armas estavam armazenadas justamente na Península da Crimeia. Vale lembrar que o desastre nuclear de Chernobyl, de 1986, ocorreu a menos de cem quilômetros de Kiev, berço das manifestações populares de novembro que desembocaram no confronto atual.
O cenário de agora também só não é mais crítico porque entre os negociadores das várias potências envolvidas no embate com a Rússia de Vladimir Putin há, felizmente, um estadista. Ou melhor, uma estadista.
Angela Merkel
Em meio à dezena de líderes mundiais convocados pelas circunstâncias a se posicionar diante da crise e a dimensionar suas sequelas, apenas a chanceler alemã Angela Merkel tem a estatura e a visão de História adequadas ao momento.
É a única a entender o que diz Putin, no sentido concreto e figurado — não apenas porque ambos falam fluentemente alemão e russo, podendo dispensar intérpretes, mas porque ambos têm a vida pessoal e a carreira política marcadas pela mesma fatia da história europeia da era soviética. Não importa que a vivência de cada um tenha sido em lados opostos.
Em seus nove anos como chanceler, Merkel aprendeu a conhecer o homem que serviu como oficial da KGB no país comunista onde ela cresceu, e que desde 1999 manda na Rússia, ora como presidente, ora como primeiro-ministro. Putin, por seu lado, aprendeu a respeitar essa filha de pastor luterano ao longo dos inúmeros encontros que já tiveram.
Testou-a logo na visita de estreia da alemã recém-empossada a Moscou. Para perplexidade dos diplomatas da comitiva da chanceler, o anfitrião presenteou a visitante com um insólito cãozinho pequinês preso a uma coleira curtíssima — inofensivo para a maioria das pessoas, porém desconcertante para quem sofre de cinofobia. Desde que fora mordida por um cachorro na infância, Merkel tem um medo absoluto de qualquer tipo de canino.
Apesar de estreante na cena mundial, a chanceler também deixou sua marca. Levantou assuntos cabeludos que nenhum de seus antecessores abordara com Putin, como a ameaça aos direitos humanos na Rússia e a garantia de fornecimento de energia para a Europa através do gasoduto da Ucrânia, que já naquele ano de 2006 sofrera um primeiro solavanco. A alemã também recebera durante uma hora, oficialmente, representantes de entidades russas de direitos civis.
Passado um ano e mais alguns encontros secundários depois, os dois voltam a se reunir. Desta vez em Bocharov Ruchei, palácio de verão de Putin em Sochi. E quem adentrou o majestoso salão atapetado junto com o anfitrião, para recepcionar a convidada? Koni, o imenso Labrador preto que o presidente russo gosta de apresentar como membro da família. Apesar de Koni ser de uma raça notoriamente dócil, a visão deve ter sido absolutamente aterrorizante para Angela Merkel. Para Putin, mestre da “diplomacia psicológica" aprendida na KGB, deve ter sido um deleite.
Quando os fotógrafos entraram no salão para o registro oficial de imagens do encontro, Koni rondava a cadeira em que a chanceler se mantinha sentada. No semblante, um exercício de controle de pânico.
Mas Merkel não piscou. Talvez tenha ganho ali o respeito do homem cujas intenções finais, para além da crise na Ucrânia, o mundo todo gostaria de adivinhar. Até porque, como já ensinou George Kennan, o mais celebrado intelectual-diplomata do século 20, “dependemos muito mais das intenções do que da capacidade do adversário, uma vez que sua influência resulta num problema político e psicológico, não militar”.
Além de capitanear a multifacetada União Europeia para uma posição comum em relação aos desdobramentos contínuos em Kiev, Moscou e agora na Crimeia, Angela Merkel é, no momento, o canal diplomático mais valioso entre Vladimir Putin e Barack Obama. Talvez seja ela a única pessoa com capacidade para interpretar de forma confiável as intenções de cada um — e mandar os necessários sinais de alerta ao outro.
Apesar de estreante na cena mundial, a chanceler também deixou sua marca. Levantou assuntos cabeludos que nenhum de seus antecessores abordara com Putin, como a ameaça aos direitos humanos na Rússia e a garantia de fornecimento de energia para a Europa através do gasoduto da Ucrânia, que já naquele ano de 2006 sofrera um primeiro solavanco. A alemã também recebera durante uma hora, oficialmente, representantes de entidades russas de direitos civis.
Passado um ano e mais alguns encontros secundários depois, os dois voltam a se reunir. Desta vez em Bocharov Ruchei, palácio de verão de Putin em Sochi. E quem adentrou o majestoso salão atapetado junto com o anfitrião, para recepcionar a convidada? Koni, o imenso Labrador preto que o presidente russo gosta de apresentar como membro da família. Apesar de Koni ser de uma raça notoriamente dócil, a visão deve ter sido absolutamente aterrorizante para Angela Merkel. Para Putin, mestre da “diplomacia psicológica" aprendida na KGB, deve ter sido um deleite.
Quando os fotógrafos entraram no salão para o registro oficial de imagens do encontro, Koni rondava a cadeira em que a chanceler se mantinha sentada. No semblante, um exercício de controle de pânico.
Mas Merkel não piscou. Talvez tenha ganho ali o respeito do homem cujas intenções finais, para além da crise na Ucrânia, o mundo todo gostaria de adivinhar. Até porque, como já ensinou George Kennan, o mais celebrado intelectual-diplomata do século 20, “dependemos muito mais das intenções do que da capacidade do adversário, uma vez que sua influência resulta num problema político e psicológico, não militar”.
Além de capitanear a multifacetada União Europeia para uma posição comum em relação aos desdobramentos contínuos em Kiev, Moscou e agora na Crimeia, Angela Merkel é, no momento, o canal diplomático mais valioso entre Vladimir Putin e Barack Obama. Talvez seja ela a única pessoa com capacidade para interpretar de forma confiável as intenções de cada um — e mandar os necessários sinais de alerta ao outro.
Leia a íntegra em Angela Merkel, a mulher da hora
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