quinta-feira, 8 de maio de 2014

A MISÉRIA DA DIPLOMACIA

Demétrio Magnoli, O Globo

‘Respeito instruções, respeito leis, mas não respeito caprichos nem ordens manifestadamente ilegais.” A declaração, concedida ao jornal “A Tribuna”, de Vitória (4/5), deveria constar no alto de um manual de conduta dos funcionários públicos. É do diplomata Eduardo Saboia e tem endereço certo.

Saboia chefiava a embaixada brasileira em La Paz até a sexta-feira, 23 de agosto de 2013, quando decidiu que um limite ético fora ultrapassado e orquestrou a fuga do ex-senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil. Hoje, o diplomata sofre a covarde punição tácita do ostracismo: a comissão de sindicância aberta no Itamaraty, com prazo previsto de 30 dias, segue sem uma resolução depois de oito meses.

Eduardo Saboia

O cineasta Dado Galvão prepara um importante documentário sobre a saga de Molina e Saboia. Será uma história incompleta, pois uma longa série de detalhes sórdidos permanece soterrada pela lápide do sigilo que recobre tanto as comunicações entre a embaixada e Brasília quanto os autos do processo administrativo contra Saboia. Mas o que agora se sabe já é de enrubescer cafetões.

Depois de receber asilo diplomático do governo brasileiro, Molina permaneceu confinado na embaixada em La Paz durante 15 meses. Enquanto o governo boliviano negava a concessão de salvo-conduto para que deixasse o país, ele não teve direito a banho de sol ou a visitas íntimas.

A infâmia atingiu um ápice em março de 2013, quando emissários de Brasília reuniram-se, em Cochabamba, com representantes do governo boliviano para articular a entrega do asilado aos cuidados da Venezuela.

A “solução final” só não se concretizou devido à crise desencadeada nas semanas finais da agonia de Hugo Chávez. No lugar dela, adotou-se a política da protelação infinita, que buscava quebrar a resistência de Molina, compelindo-o a render-se às autoridades bolivianas.

Cochabamba é um marco no declínio moral da diplomacia brasileira. A embaixada em La Paz ficou à margem das negociações. O embaixador Marcel Biato, que solicitava uma solução legal e decente para o impasse, foi sumariamente afastado do cargo. (De lá para cá, circulando sem funções pelos corredores do Itamaraty, Biato experimenta um prolongado ostracismo.)

Molina, por sua vez, teve o direito a visitas restringido a seu advogado e sua filha. Uma ordem direta de Brasília proibiu a transferência do asilado para a residência diplomática, conservando-o num cubículo da chancelaria. Naqueles dias, vergonhosamente, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, chegou a flertar com a ideia de confisco do celular e do laptop do asilado.

Convicções, crenças, valores? Nada disso. Dilma Rousseff conduziu todo o episódio premida pelo temor — ou melhor, por dois temores conflitantes. No início, por sugestão de Patriota, concedeu o asilo diplomático temendo a crítica doméstica — e, pelo mesmo motivo, não o revogou na hora da reunião de Cochabamba.
(...)

Leia a íntegra em Miséria da diplomacia

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