A novidade da vaia dada no Itaquerão à presidente Dilma foi o seu teor ofensivo, de baixíssimo calão. Sempre se vaiou tudo num estádio de futebol, mas apenas ao juiz estavam reservados os palavrões mais cabeludos. Dilma foi brindada com a novidade, que Lula, com toda razão, classificou de “falta de educação”.
O estranho, no entanto, é que tal puxão de orelha tenha partido de alguém que, no cargo de presidente da República, quebrou todos os protocolos verbais, chamando seus adversários de “babacas”, proferindo com a maior naturalidade e frequência as expressões mais chulas – como “merda”, “tira a bunda da cadeira” - e reclamando do falso moralismo de quem o criticava.
O presidente da República, seja ele quem for, tem, por força do cargo, papel de referência perante o público. Se ele pode dizer palavrões do alto dos palanques, todos se sentem com o mesmo direito. É ele quem, mais que qualquer outro, estabelece os limites verbais e comportamentais que o público há de seguir.
Deve-se ao PT, aliás, a quebra de todos os limites protocolares na política. Pornografia verbal é sua manifestação menos ofensiva. Quando deriva para atos – e atos com dinheiro público -, eis sua forma mais abjeta e deplorável.
A privatização dos bens públicos, por exemplo. Quando Lula mudou a lei da telefonia e permitiu que seu filho intermediasse a bilionária fusão da Telemar (Oi) com a Brasil Telecom, praticou um ato moral? Antes, a Telemar, da qual o BNDES era sócia, já havia injetado R$ 5 milhões numa empresa de fundo de quintal de Lulinha, a Gamecorp. Isso, sim, é pornografia.
E a Petrobras, que a Polícia Federal diz estar infiltrada por uma “organização criminosa”? E o Mensalão? Lula chamou repetidas vezes José Dirceu de “capitão do time”. Trancafiado na Papuda, seu capitão deixou de ser alguém de sua confiança, como disse em recente entrevista em Portugal. Só faltou dizer quem nem o conhecia. Pode haver algo mais pornográfico?
Na campanha eleitoral passada, no cargo de presidente da República, burlava a lei e debochava das multas do TSE, perguntando à multidão quem lhe ajudaria a pagá-las.
No Mensalão, uma pornografia institucional, produziu algumas amoralidades. Disse que fora traído, sem mencionar por quê ou por quem. Disse que o PT errara e tinha que pedir desculpas ao povo brasileiro. Depois – e desde então -, disse que o Mensalão jamais existiu, que havia sido uma tentativa de golpe contra ele e o PT.
Tentou induzir o ministro Gilmar Mendes a adiar o julgamento, ameaçando denunciar supostas – e devidamente desmentidas - mordomias que teria recebido por parte do bicheiro Cachoeira.
Reclamou da “infidelidade” de Joaquim Barbosa, dizendo que o nomeara por ser negro e não um jurista competente. Racismo pornográfico, jamais reclamado pelo movimento negro. Sigamos.
Ao receber a faixa presidencial de FHC, disse, com emoção: “Fernando, aqui você tem um amigo”. No dia seguinte, passou a atribuir ao “amigo” todas as mazelas do país, debitando-lhe uma suposta “herança maldita”. Quando se viu ameaçado de impeachment, ao tempo do Mensalão, correu ao “amigo” para pedir auxílio, que estranhamente recebeu.
E a Rosemary Noronha? Tratava-se de “uma amiga íntima”, sem qualificações técnicas. Mesmo assim, ganhou cargo de primeira na República. Lula, além de levá-la clandestinamente nas viagens internacionais a que a primeira dama Marisa não comparecia, criou um escritório da Presidência da República em São Paulo - que não existia antes e deixou de existir depois de exposto o escândalo - e a brindou com a chefia.
De lá, como se sabe, ela passou a influir na nomeação de figuras carimbadas para os mais altos postos da República – figuras que hoje estão aos cuidados da Polícia Federal.
Rosemary perdeu status e regalias, mas tem a defendê-la um dos mais caros escritórios de advocacia de São Paulo (remunerado não se sabe como). Mais pornográfico é saber que o caso está envolto em um manto de silêncio.
Mil vezes menos escandaloso é o grito ofensivo da multidão no estádio, cuja construção se deve a Lula, que, por cautela, ausentou-se de sua inauguração. Bertolt Brecht perguntava, com sarcasmo: “O que é um assalto a banco diante do próprio banco?”
A pergunta cabe perfeitamente no caso presente. Não aprovo a conduta da multidão do Itaquerão, mas quem sou eu para lhe dar lições de moral? Transfiro a tarefa a Lula, o grande pedagogo das multidões, que as acostumou ao convívio constante com palavrões e atos políticos pornográficos.
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