sexta-feira, 22 de agosto de 2014

ENCHENTE AMAZÔNICA


“Pois transbordando de flores / a calma dos lagos zangou-se / a rosa dos ventos danou-se / o leito dos rios fartou-se / e inundou de água doce / a amargura do mar / numa enchente amazônica / numa explosão atlântica..."


Assim é o Brasil: há um Chico Buarque para cada situação.

A história se repete cansativamente. O imponderável derrubou um avião que transportava um candidato à presidência da República que seria testado nas urnas daqui a mais ou menos dois meses. O Brasil parou para chorar - estranho destino esse do país que sempre se vê chorando por uma esperança perdida - um candidato que do dia para a noite, e exatamente por deixar de existir, passou dos 8% da intenção de votos para algo próximo dos 100%.

Depois de todo o ritual de despedida, que algumas vezes ultrapassou os limites da expiação pela perda e cruzou fronteiras da verdadeira contrição, que exige discrição e recolhimento e não fogos de artifício nem punhos erguidos, o grande líder que não chegou a ser foi sepultado e seu legado político estilhaçado em mil pedaços, para usufruto dos aproveitadores de sempre.

Não há nada a fazer, essa é a natureza humana, e para a glória de César sempre há um punhal de Brutus.

Marina Silva, o ente da Floresta, que num arranjo verdadeiramente mágico havia sido adicionada à chapa de Eduardo Campos como candidata a vice, saltou para o centro do palco.

Ela não era vice da chapa do PSB por comungar das mesmas convicções, mas por carregar um embornal de 20 milhões de votos amealhados quatro anos atrás. Fez-se o arranjo pragmático: uma candidata com votos, mas sem partido e um candidato com partido, mas sem votos.

Como é normal que aconteça em processos políticos, Eduardo e Marina foram embalados no berço político do lulo-petismo, mas chegaram à clássica situação de ruptura entre criador e criatura, e cada um deles procurou um rumo para marcar uma persona política com identidade e caminho próprio.

Depois de uma brevíssima encenação teatral sobre se aceitaria ou não a cabeça de chapa para substituir o líder desaparecido, Marina Silva, consciente de que não dispunha de muito tempo útil para grandes coreografias, disse sim. E subscreveu o programa do partido que se dispôs a servir-lhe de abrigo até que ela conseguisse legalizar o seu, que iniciou a sua marcha dentro do indecifrável caminho da “nova política”, rejeitando o nome de partido e adotando o de Rede.

Depois de dar um chega pra lá no coordenador da campanha de Campos, no estilo velha política (“esta mulher me maltratou”, disse Carlos Siqueira, o escanteado, desalojado em seu próprio partido, onde é secretário geral), o Ente da Floresta deixa mais dúvidas do que certezas sobre a sua missão terrena: a cabeça econômica de sua campanha é Eduardo Gianetti da Fonseca, um liberal. A cabeça política é ela, um misto de autoritarismo. fundamentalista e chá do Santo Daime.

Uma enchente amazônica?

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