“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.”
Ruy Fabiano
A predominância do eleitor jovem, que hoje se inicia aos 16 anos – e se dispõe a uma militância veemente -, favorece a criação de um ambiente eleitoral de mistificação e descompromisso com os fatos históricos, na base do “se assim não foi, pior para os fatos”.
O jovem, vítima de um ensino cada vez mais precário e ideológico, sensível à atmosfera de protesto, embarca facilmente em slogans do tipo “o Brasil quebrou três vezes no governo FHC” ou “o PSDB governou para os ricos”. Nenhuma dessas afirmações encontra respaldo nos registros da história recente.
Mas quantos jovens se empenham em ir aos jornais da época avaliar o contexto do que lhes é dito hoje e examinar a conjuntura que precedeu os acontecimentos que lhes são expostos como verdades inapeláveis?
Predomina então a máxima de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. É pena, mas é verdade.
Um eleitor de 16 anos tinha apenas quatro anos ao tempo em que FHC passou a faixa presidencial a Lula. Um de 25 anos tinha 13. Nenhum testemunhou o país da hiperinflação e muito menos o da transição do governo militar para a democracia.
Não avalia, portanto, o impacto da recusa do PT em apoiar Tancredo Neves, tendo, inclusive, expulsado três parlamentares seus que optaram em elegê-lo no colégio eleitoral. Desconhece também a surpresa que causou a resistência do partido em assinar a Constituição de 1988 e todo o empenho posterior em barrar iniciativas tendentes a firmar a democracia.
O partido mostrou sempre grande eficácia predatória. Teve, portanto, importante participação no impeachment de Fernando Collor (hoje seu aliado), mas se recusou a apoiar o vice Itamar Franco, que recebia o governo em condições delicadas, com a inflação em descontrole. Também expulsou a deputada Luiza Erundina, que aceitou ser ministra de Itamar.
Na sequência, veio o Plano Real, com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. Todo o país aderiu – exceto, claro, o PT. E se opôs a todas as medidas que vieram a sanear a economia: a Lei de Responsabilidade Fiscal (entrou contra ela no Supremo Tribunal Federal), o tripé macroeconômico e tudo o mais que propiciaria, a partir de 2003, que Lula recebesse um país bem melhor que o que fora entregue a seu antecessor.
O Plano Real permitiu, com o controle da inflação, que beirava os mil por cento ao ano, que novos empregos fossem criados e que houvesse efetiva distribuição de renda. Mas os desníveis sociais históricos exigiam algo mais.
Foram criados os programas de transferência de renda: o Bolsa Escola (vinculado à escolarização dos filhos das famílias beneficiárias), o Vale Gás, o Bolsa Alimentação, o Vale Transporte.
Para que esses programas fossem implementados, impunha-se um trabalho prévio de cadastramento junto às prefeituras, quase seis mil, trabalho concluído a tempo de alcançar 5 milhões de beneficiários. Lula, que havia criticado aqueles programas, alegando que deixariam o brasileiro preguiçoso (há um vídeo dele no Youtube, com essas palavras), assumiu e os suspendeu. Pôs em cena o Fome Zero, que não funcionou.
Decidiu então, já que não dispunha de nenhuma outra fórmula, rever os programas assistenciais do antecessor, concebidos pela socióloga Ruth Cardoso, que comandava o Rede de Solidariedade. Era um programa tucano e, talvez por isso, não lhe tenha sido fácil voltar atrás. Mas voltou, o que lhe é meritório.
Foi ainda um tucano, o governador de Goiás, Marcone Perillo, quem lhe sugeriu que unificasse aqueles programas num só. Surgiu então o Bolsa Família, em cujo texto há menção aos programas anteriores que o compunham e que ali se unificavam. Mudou-se a tabuleta, mas manteve-se o conteúdo.
O passo seguinte foi sua expansão. Os cadastros já estavam prontos e o modus operandi já era conhecido. Se o sucessor de FHC tivesse sido um tucano – e não é despropositado supô-lo -, essa expansão poderia ter sido ainda mais rápida, já que não teria havido o intervalo experimental do Fome Zero.
Que fez então o PT? Primeiro, apropriou-se da ideia. Pôs em cena a propaganda e passou a acusar o autor da proposta de seu inimigo. Tornou-a arma eleitoral. Como FHC jamais usara aqueles programas como instrumento eleitoral, poucos sabiam de sua autoria e passaram a chancelar o que o PT dizia a esse respeito.
Até mesmo agora, no debate da Band, Dilma negou veementemente o DNA do Bolsa Família. Aécio leu o texto da lei e ela passou então a proclamar a escala em que o PT a aplicou. Só o conhecimento histórico do que se passou dirime dúvidas e retira o tom militante do imbróglio. Mas quantos, que não viveram esses acontecimentos, fazem isso?
Quando então se trata de corrupção, tema em que o PT se especializou – na oposição como denuncista; no governo, como praticante -, a confusão é ainda maior. E obriga o adversário a se postar na defensiva, o que, em política, é sempre ruim. Inverte-se o ônus da prova: passa a ser do acusado.
Dilma diz que o PSDB jogava a sujeira debaixo do tapete. Há doze anos, o PT é o guardião do tapete. Por que não o levanta e limpa a sujeira? São questões elementares que, no entanto, não ocorrem a um jovem militante.
Tem-se, ao contrário, uma atmosfera hipnótica, que permite que o partido que tem neste momento sua cúpula na cadeia, que estuprou a Petrobras e jamais explicou o assassinato do prefeito de Santo André – e cujo elenco de escândalos não cabe num artigo –, acuse o oponente de corrupto. O próprio Lula, notório cultor do alambique, dá-se ao luxo de chamar seu adversário de bebum.
Não admira, pois, a propagação nas redes sociais de um coro de descontentes, a repetir com a autoridade de cientistas políticos frases e acusações concebidas por marqueteiros bem-remunerados, gigolôs da bílis alheia. Pior que a desinformação dos que não têm escolaridade é a dos que têm – e não estudam.
Goethe estava certo: nada mais perigoso e nefasto que a ignorância ativa. Os debates, lamentavelmente, dirigem-se a essa plateia – e são analisados por ela.
Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la (Imagem: Arquivo Google)
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