quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O CONFRONTO JÁ COMEÇOU





Eleição ganha à base de golpes baixos gera o inevitável: ressentimentos, suspeitas, divisionismo. Em tal ambiente, o termo união nacional soa falso, improvável, quase engraçado.

Basta ver que, nos três dias dia seguintes à vitória, as piores expectativas se confirmaram: José Dirceu foi para casa, o decreto bolivariano 8.243 foi derrubado pelos deputados, dois ministros – Edson Lobão (Minas e Energia) e Neri Geller (Agricultura) - foram convocados a depor na Câmara e a taxa de juros subiu.

De lado a lado, nenhum sinal amistoso. O mercado reagiu também como se esperava: bolsa em queda, dólar em alta. O aumento da taxa de juros, que a presidente atribuía como gesto imediato do oponente – sugerindo que não o faria -, confirmou a acusação de estelionato eleitoral: o abismo entre intenção e gesto.

União nacional é momento raro em qualquer democracia. Dá-se quando há riscos comuns ao país. Uma guerra, por exemplo; ou uma catástrofe natural. Em ambiente de normalidade, o que se espera é o governo governando e a oposição exercendo seu ofício de fiscalizar e criticar. Por que então Dilma a propôs?

Trata-se do reconhecimento de que a indecorosa conduta de seu partido na campanha dividiu o país ao meio. O discurso do “nós versus eles” prejudica a governabilidade, sobretudo quando o “eles” constitui a parcela mais bem informada da população.

A maioria – em especial quando escassa – garante a eleição, mas não as condições de governar. Não fosse assim, Collor não teria sofrido o impeachment. Elegeu-o o voto dos “descamisados” – termo que ele empregou na campanha, arrebatando os hoje clientes do Bolsa Família -, mas a classe média o rejeitou.

O PT e as oposições de então foram para as ruas e tornaram seu governo impraticável. Collor chegou a oferecer ao PSDB todos os seus ministérios. Não dispunha de quadros para governar. E o PSDB só não aceitou graças à determinação de Mário Covas, que era então sua maior e inconteste liderança.

Bastou que se insistisse na investigação de atos de corrupção na campanha, centrada na figura do tesoureiro Paulo César Faria – alvo de uma CPI – para que o presidente fosse deposto. E o que o depôs foi uma ninharia, se comparado ao que hoje está em jogo. Collor caiu porque foi possível provar sua conexão com PC Farias, a partir de um cheque de compra de um Fiat Elba para sua mulher. Nesta Era PT, um personagem de quinto escalão, o militante Sílvio Pereira, ganhou um Land Rover para facilitar negócios escusos com a Petrobras.

A diferença é bem mais que o up grade do Fiat Elba para o Land Rover, mas o simbolismo é válido. O que já se comprovou na Operação Lava Jato, em relação aos desvios, soma mais de R$ 10 bilhões – algo como uma década de Bolsa-Família.

E sabe-se que há bem mais. A caixa-preta do PT, por enquanto, envolve apenas a Petrobras. Há ainda os fundos de pensão e estatais do porte da Eletrobrás, ainda não abordados pela polícia. Isso sem falar em casos menores – mas não menos graves do ponto de vista moral -, como as maracutaias perpetradas pela amigona de Lula à frente do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosimeire Noronha.

Não falta munição à oposição para infernizar a vida da presidente reeleita. A própria reeleição é objeto de dúvidas. Além do uso ilegal dos correios nas eleições de Minas – suficiente, em tempos normais, para impugnar sua candidatura -, há ainda o questionamento das urnas eletrônicas, com denúncias que se avolumam e que provocaram o ingresso do PSDB na Justiça.

Tudo isso ocorre em meio a um quadro econômico delicado, em que o governo não dispõe ainda de um nome apresentável ao Ministério da Fazenda. E não é um governo que estreia, mas que continua – e que, no curso da campanha, já havia demitido a equipe econômica atual, prometendo mudanças contra si próprio.

O atual Congresso, que, em tese, lhe é ainda favorável, já antecipa as hostilidades, que devem ser bem maiores no que o sucederá. O PMDB, fiel de balança – única fidelidade que exibe -, já não é parceiro confiável. Foi o responsável pela derrota do decreto bolivariano 8.243 e pela convocação (diferente de convite, note-se) dos dois ministros para depor na próxima semana.

Dilma tirou férias na Bahia, mas o Congresso mostra grande disposição de trabalho. O próximo ano promete embates fortes. O senador Aloysio Ferreira (PSDB-SP), vice de Aécio, já avisou que não haverá lua de mel, os tais cem dias de trégua que por tradição se concedem aos governos que se empossam.

A guerra já está em curso e o lançamento prematuro da candidatura de Lula para 2018 é, para dizer o mínimo, profecia temerária. Política, ramo da literatura fantástica, nutre-se do imponderável. E costuma ser o túmulo dos profetas.


Ruy Fabiano é jornalista e escritor

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