Em sua palestra a religiosos, semana passada, Lula queixou-se do ambiente de ódio ao PT, que teria se instalado no país. Mencionou episódios de petistas vaiados e hostilizados em restaurantes e locais públicos – e até em hospitais.
Esqueceu-se apenas de um detalhe: de que tal ambiente é construção dele próprio e de seu partido, que, no poder, investiram na máxima maquiavélica de dividir para governar.
A fala de Lula deu-se dias após o 5º Congresso Nacional do PT, em que um dos temas era justamente “Um partido para tempos de guerra”. A guerra instalou-se com a posse de Lula, em cujos discursos a constante era o “eles”, as elites (da qual, diga-se, ele próprio e a cúpula do PT fazem parte), contra “nós”, o povo.
Ao adotar o discurso de vitimização do povo, indispunha os setores que o PT contemplava contra o restante da sociedade. Chegou ao extremo, na eleição passada, de tentar indispor São Paulo, que massacrou eleitoralmente o partido, contra o Nordeste.
Não percebia que, agindo assim, criava uma cilada contra si próprio, gerando focos de rejeição entre os não abrangidos pelo seu projeto de poder. A agressão perpetrada pela professora Marilena Chauí, na presença de Lula – que achou muita graça e aplaudiu –, contra a classe média, considerando-a “fascista, ignorante” e “uma abominação”, é um dos momentos mais patéticos desse processo.
Agressão despropositada e politicamente desastrosa, já que a estabilidade política se ancora exatamente na classe média - e por uma razão simples: não se trata de um todo homogêneo; ao contrário, é caleidoscópica, reunindo as mais diversas tendências político-ideológicas. Ao ofendê-la, a professora, um dos ícones do partido, conseguiu a façanha de uni-la – e atirar no próprio pé.
O PT, assim como a esquerda brasileira em seu conjunto, é bem mais classe média que proletário. Foi no ambiente de classe média dos intelectuais da USP e de outras academias que o partido foi gestado, ganhou corpo e chegou ao poder.
Lula é um mito da porção intelectualizada da classe média, que idealiza o operário, como Jean Jacques Rousseau e outros intelectuais europeus do século XVIII idealizaram o “bom selvagem”, a população nativa dos territórios colonizados. O mito é uma construção, um símbolo, não uma realidade.
Nada o desfaz mais rapidamente que a própria realidade. E esta se apresentou, nesta era petista, por duas vias, simultâneas e inapeláveis: a incompetência gerencial e a corrupção. O PT estruturou-se a partir de um discurso moralista, que tinha como palanques a imprensa e as CPIs.
Ali, transmitiu à sociedade – e especialmente à classe média – a convicção de que só a moralização político-administrativa daria jeito no país. Degolou, ao tempo em que era oposição, diversas lideranças políticas, culpadas ou inocentes (pouco importava), tendo em vista a construção de sua própria credibilidade moral.
Enquanto o fazia, ensaiava mensalões nos âmbitos municipais e estaduais onde já era governo. Santo André e Campinas, cujos prefeitos foram assassinados, em tramas políticas gestadas dentro do partido – e ainda carentes de maiores esclarecimentos -, precedem a chegada do PT ao poder federal. Os métodos se mantiveram, se expandiram e saíram do controle.
Hoje, o partido se vê às voltas com a polícia e o Judiciário. Parte de sua cúpula foi à cadeia. Outra parte deve segui-la. O próprio Lula admitiu, nessa mesma palestra aos religiosos, que “o próximo” (referia-se à prisão de seu amigo Marcelo Odebrecht) seria ele. Há dias, o advogado Maurício Ramos Thomaz impetrou habeas corpus preventivo contra eventual prisão de Lula.
Pode ter sido pegadinha, mas o simples fato de levantar dúvidas mostra a que nível chegou a credibilidade do ex-presidente. O PT é vítima do próprio veneno: investiu no discurso moralista e agora é seu principal alvo. A delação premiada de Ricardo Pessoa – que poupa Lula – evidencia as conexões criminosas do partido, suas relações incestuosas com as empreiteiras.
O governador de Minas, Fernando Pimentel, um dos políticos mais próximos de Dilma, enfrenta também o Código Penal, com escassas chances de sucesso. Sua vitória em Minas não apenas garantiu a de Dilma como serviu para a tentativa de desmoralização política de Aécio Neves, derrotado em sua própria terra.
O que se vê, no entanto, é que não se tratou propriamente de uma vitória eleitoral, mas de uma bem sucedida operação criminosa. Pimentel corre hoje o mesmo risco de sua amiga Dilma, de não concluir o mandato. O partido, que usou à exaustão a desculpa de “herança maldita”, é hoje herdeiro de si próprio.
Não tendo a quem acusar, Lula acusa sua sucessora, na tentativa de se descolar de um legado que o inviabiliza politicamente. Dilma, a “mulher sapiens”, é obra de Lula, não do PT, que teve que engoli-la. O país que entrega aos brasileiros é bem pior – econômica, política e moralmente – que o recebido das mãos de Fernando Henrique, ainda que este estivesse longe do ideal.