CELSO DANIEL FOI MORTO EM 1992, SUPOSTAMENTE POR TER ORDENADO O FIM DE ESQUEMA DE PROPINAS EM SUA GESTÃO
Estadão
Na mais dura manifestação já desfechada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos autos da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal reabre uma velha ferida que assombra o PT – o emblemático caso Santo André.
Os procuradores que subscrevem a peça, autêntico libelo contra Lula, se reportam ao episódio de corrupção que marcou a gestão Celso Daniel (PT), prefeito da cidade do Grande ABC morto em janeiro de 1992 supostamente por ter ordenado o fim de esquema de propinas em sua administração – para o Ministério Público, o dinheiro ilícito abastecia o caixa do partido.
Na manifestação de 70 páginas, de 3 de agosto, quatro procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato rechaçam, ponto a ponto, a exceção de incompetência apresentada pela defesa técnica de Lula que alega parcialidade do juiz Sérgio Moro para julgar o ex-presidente.
A manifestação é subscrita pelos procuradores Julio Carlos Motta Noronha, Roberson Henrique Pozzobon, Jerusa Burmann Viecili e Athayde Ribeiro Costa.
Eles citam o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Alvo da Operação Passe Livre, desdobramento da Lava Jato, Bumlai foi preso no dia 24 de novembro de 2015 e denunciado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.
“Há, ainda, elementos que apontam para a existência de um esquema voltado a beneficiar partidos políticos da base governamental e seus representantes”, diz um trecho do parecer, que aponta para o processo da Lava Jato sobre o empréstimo de R$ 12 milhões tomado por Bumlai junto ao Banco Schahin, em outubro de 2004 – segundo Bumlai, o dinheiro foi destinado ao PT.
Os investigadores sustentam que mais de R$ 5 milhões teriam ido parar no caixa do empresário Ronan Maria Pinto, dono do jornal Diário do Grande ABC. “Os autos 5048967-66.2015.404.7000 e demais correlatos versam sobre o recebimento de mais de cinco milhões de reais por parte do empresário Ronan Maria Pinto, provavelmente provenientes do Banco Schahin, oriundos de um complexo esquema de lavagem de capitais, cujos recursos foram pagos posteriormente pela Petrobras mediante um plano arquitetado para beneficiar pessoas conectadas diretamente ao Partido dos Trabalhadores”, afirma a Procuradoria.
A manifestação cita dois ex-ministros de grande poder e influência dos governos Lula e Dilma – José Dirceu e Gilberto Carvalho, o primeiro condenado e preso no Mensalão e na Lava Jato.
“O caso, que remonta às denúncias de corrupção na Prefeitura de Santo André, envolve o desvio de recursos dos cofres públicos para o Partido dos Trabalhadores, para utilização em campanhas eleitorais, com a entrega de dinheiro a José Dirceu e a Gilberto Carvalho”, segue o documento. “Para evitar a revelação do esquema por Ronan Maria Pinto engendrou-se um empréstimo simulado entre o Banco Scahin e José Carlos Bumlai, para fornecer recursos para compra do silêncio do empresário.”
A Operação Passe Livre sustenta que, “pelo empréstimo concedido a Bumlai, o Grupo Schahin ganhou contrato de US$ 1,6 bilhão sem licitação para operar navio sonda da Petrobras.”
“Para quitar a dívida, articulou-se para que, de forma fraudulenta, a Schahin Engenharia fosse contratada como operadora do navio-sonda Vitória 10.000 da Petrobrás. Ou seja, para quitar uma dívida contraída no interesse do Partido dos Trabalhadores e de pessoas diretamente a ele vinculadas, utilizou-se de uma contratação fraudada na Petrobras”, assinalam os procuradores.
O documento faz menção, ainda, ao lobista Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano, que virou delator da Lava Jato. “Segundo afirmou o colaborador Fernando Soares, como houve dificuldades para a aprovação da contratação da Schahin pela Petrobras, José Carlos Bumlai teria intercedido diretamente junto a José Gabrielli e ao então presidente Lula para conseguir a aprovação da parceria. Repise-se, ainda, que Gilberto Carvalho, a despeito do envolvimento com os fatos de Santo André (e por conta disso responder à ação de improbidade proposta em 2007), foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência de 2011 a 2015 (e, anteriormente, chefe de gabinete da campanha de Lula à Presidência da República).”
A manifestação destaca a condenação de José Dirceu no Mensalão. “Foi condenado no processo do Mensalão como principal articulador da obtenção de recursos de origem ilícita em favor do Partido dos Trabalhadores na época dos fatos de Santo André, estando atualmente preso cautelarmente na Operação Lava Jato por novas suspeitas de corrupção.”
“O envolvimento das mesmas figuras em tantos episódios de desvios de recursos públicos para o financiamento de determinado partido político denota uma forma constante e própria de se obter dinheiro para a legenda e seus representantes, e não uma mera invocação de nomes de autoridades que pudessem desconhecer o esquema”, afirmam os procuradores.
“Além disso, mesmo após o término de seu mandato presidencial, Lula foi beneficiado direta e indiretamente por repasses financeiros de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. Rememore-se que, no âmbito desta operação, diversos agentes públicos foram denunciados por receber vantagem indevida mesmo após saírem de seus cargos. Além disso, é inegável a influência política que Lula continuou a exercer no Governo Federal, mesmo após o término de seu mandato (encontrando-se até hoje, mais de cinco após o fim do seu mandato com a atual Presidente da República. E, por fim, não se esqueça que diversos funcionários públicos diretamente vinculados ao esquema criminoso, como os Diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque, foram indicados por Lula e permaneceram nos cargos mesmo após a saída deste da Presidência da República.”
Defesa
O empresário Ronan Maria Pinto e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho negam categoricamente envolvimento no esquema de corrupção montado em Santo André na gestão do prefeito Celso Daniel.
O pecuarista Bumlai, por meio de sua defesa, também nega a prática de ilícitos na Lava Jato.
O advogado José Roberto Batochio, que coordena a estratégia de defesa do ex-presidente Lula, afirma que a Justiça Federal no Paraná, base da Lava Jato, não detém competência para conduzir os feitos relativos ao petista.
“A defesa do Lula arguiu a incompetência do juiz do Paraná para apreciar e julgar estes casos que envolvem o apartamento do Guarujá, o sítio de Atibaia e o Instituto Lula por uma razão muito simples. A lei diz que o juiz competente para julgar os fatos é o juiz do local onde os fatos teriam ocorrido. O apartamento que, indevidamente, é apontado como de propriedade de Lula, fica no Guarujá, que não se confunde com Guaratuba. Guaratuba fica no Estado do Paraná. De outro lado, o sítio se situa em Atibaia, que é Estado de São Paulo. Atibaia não é Atobá, uma cidade do Paraná. Não há nenhuma razão para esses processos estarem no Paraná. Como questionamos isso, que o caso não tem nada a ver com o Paraná, o Ministério Público Federal, para contestar nossa exceção de incompetência, escreve setenta páginas. Só pelo fato de ter escrito setenta páginas significa que a tese é insustentável. Guarujá é, de fato, no Estado de São Paulo. Guarujá e Atibaia não são no Paraná. Para ‘provar’ que Guarujá e Atibaia estão no Paraná, os procuradores escrevem setenta páginas. Isso vai ser resolvido pelos tribunais superiores, de modo a colocar as coisas nos devidos lugares. A não ser que tenham mudado Guarujá e Atibaia para o Estado do Paraná.”
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