José Nêumanne
Publicado no Estadão
Quando alguém pede um autógrafo num exemplar de meu livro O que Sei de Lula(Topbooks, Rio de Janeiro, 2011), minha definição favorita para o protagonista que perfilei em suas 522 páginas é “Macunaíma de palanques e palácios”. É necessária, contudo, uma pequena inversão na frase com que Mário de Andrade definiu magistralmente seu personagem-símbolo da brasilidade, “um herói sem nenhum caráter”. Lula talvez mereça uma definição com uma troca de lugar do pronome indefinido na frase: “um herói sem caráter nenhum”.
Conheci-o em 1975, quando acompanhei sua ascensão à condição de maior dirigente sindical da História ao preparar, negociar e dirigir as greves que ajudaram a extinguir a longa noite da ditadura tecnocrático militar. Quase meio século depois, contudo, o empreiteiro Norberto Odebrecht, herdeiro e herdado da construtora encalacrada na corrupção da Lava Jato, contou que lhe pagou propinas para evitar greves. Ou seja, o maior líder operário teria sido também o maior “traíra” da História do movimento obreiro, tendo chegado ao ponto de tirar proveito pessoal de sua condição de condutor de massas.
As greves espetaculares dos metalúrgicos do ABC, lideradas por ele de um palanque armado no centro do Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, contestaram a estrutura legal do peleguismo varguista, que perdurou na ditadura. As paralisações das montadoras de automóveis e fábricas da cadeia automotiva roeram os pés de barro do regime autoritário, que ruiu sobre as próprias bases. Mas ele mesmo foi informante dos militares, como contei na abertura de meu livro citado. E também do diretor do Dops paulista, o delegado Romeu Tuma, conforme relatou o filho deste, o também delegado que foi secretário de Justiça do Ministério da Justiça da primeira gestão presidencial de Lula, Romeu Tuma Jr. Nunca, em momento algum, as informações dadas nas páginas seja de O que Sei de Lula, seja de Assassinato de Reputações, também editado pela Topbooks, foram contestadas em entrevista, artigo ou processo judicial.
No entanto, essas bombas de hidrogênio sobre a imagem de qualquer político de esquerda no mundo inteiro não produziram o efeito de um traque junino na mitologia em torno do entregador de lavanderia e torneiro mecânico que chegou ao mais elevado posto da República. Neste, aliás, produziu a catástrofe de efeito ainda mais deletério: o maior escândalo de corrupção da História e, em consequência dele, uma crise política, que está passando pela segunda tentativa de afastamento do presidente da República, e econômica, que levou 14 milhões de trabalhadores à tragédia do desemprego. No entanto, o ex-presidente mantém a fama, a condição de mito e o poder que isso transfere. É o político mais celebrado na memória do povo e o mais temido pelas elites dirigentes, às quais sempre serviu, embora tendo sempre vendido o peixe de que é seu inimigo favorito.
O retirante nascido no agreste pernambucano e criado nas franjas industriais da Grande São Paulo, de onde emergiu para a fama, foi o pai dos pobres, que nunca se esquecem dele, e a mãe dos burgueses, que preferem vê-lo a distância segura, mas sabem que na hora H poderão contar com sua eterna gratidão. Por isso, o chefe da organização criminosa que limpou todos os cofres da República é o chefão da conspiração daqueles que participaram com ele desse assalto. Agora condenado, vale mais para ele do que para qualquer outra eventual vítima da limpeza da Operação Lava Jato aquele slogan do anúncio de vodca: “Eu sou você amanhã”. Por isso é o “rei do paparico”, embora suas qualidades pessoais e de gestor não possam ser comparadas ao cardápio do restaurante do Porto que leva esse nome.
Quando alguém pede um autógrafo num exemplar de meu livro O que Sei de Lula(Topbooks, Rio de Janeiro, 2011), minha definição favorita para o protagonista que perfilei em suas 522 páginas é “Macunaíma de palanques e palácios”. É necessária, contudo, uma pequena inversão na frase com que Mário de Andrade definiu magistralmente seu personagem-símbolo da brasilidade, “um herói sem nenhum caráter”. Lula talvez mereça uma definição com uma troca de lugar do pronome indefinido na frase: “um herói sem caráter nenhum”.
Conheci-o em 1975, quando acompanhei sua ascensão à condição de maior dirigente sindical da História ao preparar, negociar e dirigir as greves que ajudaram a extinguir a longa noite da ditadura tecnocrático militar. Quase meio século depois, contudo, o empreiteiro Norberto Odebrecht, herdeiro e herdado da construtora encalacrada na corrupção da Lava Jato, contou que lhe pagou propinas para evitar greves. Ou seja, o maior líder operário teria sido também o maior “traíra” da História do movimento obreiro, tendo chegado ao ponto de tirar proveito pessoal de sua condição de condutor de massas.
As greves espetaculares dos metalúrgicos do ABC, lideradas por ele de um palanque armado no centro do Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, contestaram a estrutura legal do peleguismo varguista, que perdurou na ditadura. As paralisações das montadoras de automóveis e fábricas da cadeia automotiva roeram os pés de barro do regime autoritário, que ruiu sobre as próprias bases. Mas ele mesmo foi informante dos militares, como contei na abertura de meu livro citado. E também do diretor do Dops paulista, o delegado Romeu Tuma, conforme relatou o filho deste, o também delegado que foi secretário de Justiça do Ministério da Justiça da primeira gestão presidencial de Lula, Romeu Tuma Jr. Nunca, em momento algum, as informações dadas nas páginas seja de O que Sei de Lula, seja de Assassinato de Reputações, também editado pela Topbooks, foram contestadas em entrevista, artigo ou processo judicial.
No entanto, essas bombas de hidrogênio sobre a imagem de qualquer político de esquerda no mundo inteiro não produziram o efeito de um traque junino na mitologia em torno do entregador de lavanderia e torneiro mecânico que chegou ao mais elevado posto da República. Neste, aliás, produziu a catástrofe de efeito ainda mais deletério: o maior escândalo de corrupção da História e, em consequência dele, uma crise política, que está passando pela segunda tentativa de afastamento do presidente da República, e econômica, que levou 14 milhões de trabalhadores à tragédia do desemprego. No entanto, o ex-presidente mantém a fama, a condição de mito e o poder que isso transfere. É o político mais celebrado na memória do povo e o mais temido pelas elites dirigentes, às quais sempre serviu, embora tendo sempre vendido o peixe de que é seu inimigo favorito.
O retirante nascido no agreste pernambucano e criado nas franjas industriais da Grande São Paulo, de onde emergiu para a fama, foi o pai dos pobres, que nunca se esquecem dele, e a mãe dos burgueses, que preferem vê-lo a distância segura, mas sabem que na hora H poderão contar com sua eterna gratidão. Por isso, o chefe da organização criminosa que limpou todos os cofres da República é o chefão da conspiração daqueles que participaram com ele desse assalto. Agora condenado, vale mais para ele do que para qualquer outra eventual vítima da limpeza da Operação Lava Jato aquele slogan do anúncio de vodca: “Eu sou você amanhã”. Por isso é o “rei do paparico”, embora suas qualidades pessoais e de gestor não possam ser comparadas ao cardápio do restaurante do Porto que leva esse nome.
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